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UFCG: 5 anos de existência (parte V)

Wagner Braga Batista

Professor

 

A perda de referenciais críticos e a renúncia a um papel mais ativo da comunidade universitária favoreceu a ocorrência de digressões na universidade pública. Retardou a formulação de um projeto de universidade que contemplasse reivindicações históricas das forças progressistas. Gerou uma situação de letargia e um vácuo enorme capitalizado pela restauração liberal nos anos 90. Abriu campo para o avanço da modernização conservadora do ensino. Permitiu que o crescimento avassalador da rede privada fosse o contraponto da hipertrofia da educação pública.

 

A perda desses referenciais contribuiu para o que o liberalismo se tornasse hegemônico no campo da educação e para a montagem de uma farsa, estabelecendo a paridade entre democratização e acesso ao ensino pago.

 

O direito à educação foi manipulado de diferentes maneiras. Dotando a educação de valor simbólico, qualificando-a como capital humano e transformando o ensino pago em investimento. Esse embuste aparece em propagandas de instituições privadas e, estranhamente, em veículos de informação de instituições públicas, nos quais se oferece cursos de especialização e extensão. Atividades da da graduação foram preteridas pelos níqueis obtidos em cursos de curta duração, alguns de péssima qualidade. Não é demais mencionar o parágrafo IV, do artigo 206, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (...) IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. 

 

Partimos do pressuposto que a educação pública, propedêutica, gratuita, laica e de qualidade é uma conquista da modernidade.  A educação pública é um direito que deve ser assegurado pelo Estado, por políticas públicas e por instituições de ensino de elevada qualidade. Nesses marcos, a poeira fica no chão e o debate sobre a expansão da UFCG no seu devido lugar.

 

Se defendemos a ampliação e a melhoria da educação pública, não podemos nos contrapor à criação ou à expansão de instituições que se destinam a oferecê-la. Devemos ser criteriosos, sim, sem perder de vista esse objetivo e as condições propicias para sua realização. Sob esse prisma, torna-se um contra-senso obstruir a expansão do ensino público, quando o mais prudente é corrigir desvios de rumo desse processo. Portanto, nossa tarefa coletiva é colocar nos eixos a expansão da universidade. Impedindo que o processo de expansão seja desvirtuado ou manipulado.

 

Como intervir nesse processo de forma propositiva e conseqüente?

 

Socializando informações, desencadeando o debate, mobilizando a comunidade universitária, criando canais de participação e propiciando condições para que sejamos agentes ativos desse processo de expansão da UFCG. Com isso estimularemos professores, funcionários e estudantes a definir, coletiva e democraticamente, estratégias, diretrizes, objetivos, ações, localização e recursos necessários à expansão do ensino superior público e gratuito. Habilitar-nos-emos também a debater suas articulações com a sociedade envolvente e com o sistema educacional vigente, uma vez que teremos consciência mais elevada dos descompassos e disparidades existentes entre seus vários níveis.

 

Por essa via, não  cairemos em ardis criados por falsas questões. A defesa da ampliação e da melhoria do ensino público superior é indissociável da expansão e do aprimoramento do sistema educacional brasileiro. Portanto, não é cabível sinalizar prioridades, como forma de fragmentar a educação e inviabilizar o aumento de vagas ensino público superior no Brasil. Ao tratarmos globalmente de todas questões afetas ao sistema educacional brasileiro, estaremos cobrando mais atenção e mais investimentos governamentais na educação.

 

Se agirmos desse modo, com coerência, inibiremos tentativas de manipulação política externa e interna na UFCG. Poderemos dar andamento ao projeto coletivo de universidade. O que nos parece impróprio é apostar no fracasso desse projeto, sob alegação de que não atende plenamente aos nossos anseios.

 

As possibilidades, como os fatos históricos, são socialmente construídas. Não estamos invocando uma utopia, mas uma plataforma para a realização de um projeto que está alcance ao nosso alcance e  pelo qual lutamos há muito tempo. Não podemos utilizar de sofismas ou de despreza quando são tangíveis as possibilidades de expansão e melhoria do ensino público superior na Paraíba.

 

Não somos ingênuos. Sabemos que há inegável oportunismo da administração superior da UFCG. Beneficia-se de uma conjuntura favorável à expansão do ensino público. Essa constatação não deve nos levar a perder de vista objetivos históricos.

 

A defesa da educação pública e gratuita coloca-se num patamar de ampliação de direitos sociais e de participação democrática numa sociedade excludente. Essa perspectiva é que deve nutrir nossos esforços no sentido da expansão e da melhoria da educação pública na UFCG. Ao invés de nos mantermos paralisados, limitando-nos a denunciar artimanhas, devemos nos empenhar na realização dessa meta sem renunciar à critica de atitudes questionáveis.

 

Não podemos também reproduzir a agenda liberal tratando o ensino de modo segmentado. Devemos defender intransigentemente a unidade e a qualidade do sistema nacional de educação pública. Isso impede que se estabeleçam políticas e diretrizes focalizadas com sérios prejuízos para o sistema educacional e para o ensino superior.

 

A falsa disjunção entre ampliar e melhorar o ensino público superior reveste-se de um ranço contra estudantes que não tiveram oportunidades de acesso ao ensino de qualidade. Adia-se a solução do problema, involuntariamente prestigiando-se opção elitista que reserva o acesso apenas aqueles que têm acúmulos socioeconômicos e culturais. Ao realizar esse temporal, despreza-se o passado de exclusões sociais e se convalida o rol de privações a que estão sujeitos amplos contingentes da população. Retoma-se um discurso perverso que prosperou no início da década de 90, no campus II, da UFPB. Por meio dele procurava-se eliminar a gratuidade do ensino, dos documentos escolares, do restaurante universitário, eliminando-se direitos em nome da administração eficaz de verbas de custeio e de capital. Chegou-se ao cúmulo de propor que recursos orçamentários do RU fossem destinados à compra de computadores.

 

Ao se ignorar a Historia excludentes, legitima-se privilégios e se posterga a realização de direitos sociais. Essa era a lógica dominante em políticas educacionais precedentes: elitização do ensino e concessão de vantagens restritas para grupos seletos.

 

Não se trata de trocar seis por meia dúzia, abrir mão de requisitos indispensáveis à educação para obter ensino de má qualidade. O que se cogita é abrir possibilidades efetivas de acesso à educação, horizontalizar o ensino público superior.

 

Com todos os percalços, esta senda está aberta. Como todo bom caminho, apesar de árduo, oferece espaço e condições para enrijecer as pernas e aprumar o passo. Tropeços ocorrem, mas também nos impulsionam para a frente. A caminhada, em si, também é aprendizado. Se não perdermos de vista nossos objetivos, nossas diretrizes comuns e o horizonte que temos pela frente, terá valido a jornada. Nenhuma caminhada conduz ao inevitável, leva-nos onde somos capazes de chegar.

 

O quadro é sombrio, contudo é preciso ver além da penumbra. Projetar cenários de longo prazo mais auspiciosos. A esperança que nos anima, não é ingênua. Reconhece limites e potencialidades da educação pública, mas também vislumbra o alcance social de sua expansão. Essa postulação republicana não pode ser desprezada. A postura refratária ou indiferente ante a perspectiva de expansão do ensino público contribui para a subtração direitos sociais.

 

A UFCG enfrenta inúmeros problemas e adversidades. Representam um desafio que pode ser enfrentado por poucos ou por muitos. É preciso gerar massa crítica capaz de aprofundar a análise desses problemas. Massa crítica que abrace a causa da educação pública. Que rompa a apatia e o esvaziamento da universidade, promovendo mudanças positivas.

 

Quanto mais ampliarmos as possibilidades de acesso ao ensino público maior reconhecimento teremos como educadores. Teremos também novos aliados. Serão mais estudantes e suas famílias, será a população beneficiária direta e indireta da educação pública e de seus efeitos multiplicadores sobre a sociedade. Esse processo é cumulativo. Novos contingentes pleitearão o aceso, a melhoria da educação e condições de permanência na universidade pública.

 

Esse potencial crítico não se constitui por voluntarismo ou pela retórica aguerrida de poucos. Constrói-se de modo propositivo, gerando alternativas que viabilizem a participação de segmentos populacionais alijados da universidade. Traduzir-se-á pela materialização de um anseio, de um projeto coletivo que se consubstancie na prática, em mais vagas no ensino superior e na melhoria da qualidade da educação.

 

Não podemos ser céticos em relação aos desdobramentos desse processo. Estamos deflagrando a pressão por verbas, por melhores condições de ensino de trabalho, bem como pela contínua ampliação da educação pública. A concretização do projeto viabilizar-se-á por força da pressão organizada de professores, funcionários e estudantes interessados na melhoria da educação pública.

 

Por isso, a comunidade universitária deve desenvolver intensa campanha de valorização do ensino público, capaz de sensibilizar e mobilizar não só os que encontram na universidade, mas também aqueles que estão a sua margem. Se não sensibilizarmos amplos setores da sociedade paraibana, o projeto irá por água abaixo. É essencial transformar virtuais beneficiários em ardorosos defensores da educação pública e de seus valores essenciais. Sem isso essa ação será infrutífera.

 

Como advertência, é conveniente nos reportarmos à situação das duas universidades públicas estaduais que hoje estão entre as maiores do país e apresentam padrões de desempenho bastante deficientes. Devemos estar permanentemente atentos e mobilizados.

 

Esse projeto ou será uma obra coletiva ou um engodo, servindo apenas como veículo publicitário de administradores, de políticos locais e do próprio governo federal. Por isto, devemos arregaçar as mangas e nos converter em agentes de ampliação e melhoria do ensino público superior na Paraíba.

 

Os homens constroem sua existência, dentro de condições que a precedem. Reiteramos a importância da análise histórica e a força dos argumentos conjunturais. Sem teoria e visão crítica da realidade, podemos nos tornar caudatários de circunstancias adversas, que muitas vezes ignoramos.

 

O processo de interiorização e de expansão das universidades federais paraibanas ocorreu em conjunturas favoráveis. Sob os auspícios do regime militar, com o Prof. Linaldo Cavalcanti, e no atual governo, com o Prof Thompson Mariz. A comparação entre esses dois contextos e essas duas administrações torna-se inevitável, apesar das dessemelhanças. O primeiro desses reitorados é festejado de modo incondicional, sem analisar suas relações com o regime autoritário e suas estratégias de vinculação da universidade com empresas locais. O segundo reitorado, sob muitos aspectos, ainda é uma incógnita. Contudo, ambos contribuíram ao seu modo para a consolidação e a expansão da universidade pública. Ficamos devendo, para breve, uma análise menos superficial desses reitorados.

 

Com todas as ressalvas ao governo Lula, é forçoso reconhecer que a conjuntura é favorável à ampliação e à melhoria do ensino público. Vamos em frente!

 

Manifestamos o entendimento de que, recuperando a compleição multicampi da UFPB, a expansão precoce da UFCG pode contribuir para ampliar e irradiar o ensino público em todo Estado da Paraíba.

 

Para concluir, gostaríamos de nos reportar a um verso muito conhecido de Fernando Brant:

 

Se muito vale o já feito, mais vale o que será

E o que foi feito,

É preciso conhecer pra  melhor prosseguir.

Falo assim sem tristeza, falo por acreditar,

Que é cobrando o que fomos

Que nós iremos crescer.

 

Por caminhos controversos, por ironia da História, a UFCG se consolida como imagem inversa da que foi proposta como universidade pública, gratuita, de massas e multicampi.

 

Parabéns a todos que se empenharam em construí-la nesses cinco primeiros anos de existência.


Data: 20/04/2007