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O problema do lixo nuclear na Europa

Estudo mostra que grandes áreas na Alemanha poderiam ser apropriadas para o armazenamento de lixo nuclear altamente radioativo. Mas isso não significa que o problema esteja mais próximo de uma solução

Foi uma manchete que provavelmente irritou vários ativistas antinucleares na Alemanha.

O Instituto Federal de Geociências e Recursos Naturais divulgou na última quarta-feira (18/4) um relatório indicando que grande área no norte da Alemanha, além de uma outra menor no sul, é apropriada para o armazenamento por tempo indefinido de resíduos nucleares altamente radioativos.

O estudo não chegou a conclusões quanto à adequação de locais específicos.

Em vez disso ele focou-se em áreas que possuem camadas de argila de pelo menos 100 metros de espessura a uma profundidade entre 300 e 1.000 metros.

O relatório se seguiu a duas investigações anteriores que identificaram regiões de pedras salinas e granito que poderiam também ser adequadas ao armazenamento de lixo altamente radioativo.

Ao que parece, a Alemanha - ainda que continue se afastando de uma política voltada para a energia nuclear - não carece de locais apropriados para a construção de cemitérios radioativos.

No entanto, o relatório deverá esquentar um já ardente debate na Alemanha e em toda a Europa a respeito do que fazer com o lixo nuclear de alta radioatividade.

Por um lado, os ativistas apontam os depósitos de lixo nuclear como um dos principais perigos representados pela energia atômica.

Afinal, as varetas usadas de combustível permanecem "quentes" por centenas de milhares, ou até milhões, de anos.

Muitos questionam como é que alguém poderia estar certo atualmente de que as instalações construídas hoje não acabariam se desfazendo em 300 mil anos.

Por outro lado, os cientistas alegam que a maior parte das questões científicas delicadas relativas ao armazenamento de longo prazo de lixo nuclear foi respondida e que o armazenamento seguro é possível. Segundo eles, agora tudo depende dos políticos.

"Como não se identificou uma localidade final para a construção de um depósito de resíduos nucleares, poder-se-ia chegar à conclusão de que o problema não foi resolvido", afirmou Thomas Fanghaenel, diretor do Instituto de Elementos Transurânicos, em Karlsruhe, a "Spiegel Online".

"Tal conclusão seria errônea... Creio que os problemas políticos são os mais difíceis - o fenômeno do 'no meu quintal não' e outras questões sócio-políticas".

"Uma escala de tempo diferente"

"Outro problema é a questão do tempo. Se alguém toma uma decisão hoje a respeito de um depósito de resíduos atômicos, a construção só será concluída após mais 20 anos. Só que essa é uma escala de tempo diferente daquela à qual estamos acostumados na vida política. Não existe grande motivação para que os políticos tomem uma decisão".

Exemplo clássico de tais dificuldades políticas é o centro Gorleben de pesquisas sobre depósitos nucleares no Estado alemão da Baixa Saxônia.

Durante anos, a instalação - construída em maciça formação subterrânea de pedra salina, um material que segundo o relatório divulgado na quarta-feira é mais apropriado do que a argila para os depósitos de lixo atômico - vem sendo alvo de intensa pesquisa para que se determine se ela poderá ser transformada em um depósito definitivo.

O local foi escolhido três décadas atrás, em 1977.

Embora os especialistas acreditem que Gorlebem é o melhor - e mais bem pesquisado - local da Alemanha para tal depósito, a decisão final ainda não foi tomada.

Todas as pesquisas foram suspensas em 2000 e até agora não foram retomadas - em grande parte devido aos numerosos problemas políticos em relação ao local.

O estudo divulgado na quarta-feira surge em um momento no qual aumentam as pressões na Alemanha para que seja revista a decisão de fechar todos os reatores nucleares do país até 2010.

Com o aumento das atenções voltadas para o aquecimento global causado pelas emissões de gás carbônico, os conservadores em Berlim gostariam de ver a energia nuclear - que não emite gás carbônico - continuar sendo uma parte importante do sistema de energia da Alemanha.

A energia nuclear provavelmente renascerá não só na Europa como em todo o mundo, o que significa que os depósitos de varetas usadas de combustível adquirirão maior importância.

Na Europa, o problema é ampliado pela ausência de uma política no âmbito de toda a União Européia, o que significa que cada país é responsável por lidar com o seu próprio lixo nuclear altamente radioativo.

"Mas tendo em vista as pequenas quantidades desses resíduos - o lixo nuclear altamente radioativo representa fração muito pequena de todo o lixo radioativo produzido - um ou dois grandes depósitos bastariam para atender às necessidades de todos os 27 integrantes da União Européia", argumentou Fanghaenel.

Um conjunto de minidepósitos

"Se observarmos isso com distanciamento crítico, não faz nenhum sentido que cada país tenha o seu próprio depósito de lixo atômico. Seria realmente absurdo, por exemplo, que a Bélgica construísse o seu próprio depósito. A Europa só precisa de um ou dois. Estamos falando de grandes escalas de tempo, e em determinado momento não haverá mais fronteiras como as que conhecemos hoje. E aí, haveria na Europa um conjunto de minidepósitos sem sentido".

Porém, o maior problema para que se criem depósitos definitivos de lixo atômico na Europa continua sendo a aceitação pública.

Segundo um relatório da União Européia de janeiro de 2005, ainda que os especialistas tenham pouca dúvida quanto à segurança de se armazenar resíduos altamente radioativos, "continua havendo oposição de grandes parcelas da população à maioria das propostas relativas aos locais onde seriam construídos tais depósitos".

Marilyn Carruthers, porta-voz da União Européia para questões de energia, concorda.

Ainda que ela lembre que a Finlândia foi capaz de concordar com a construção de um depósito que estará em operação até 2020 e que a Suécia não esteja muito atrás, acabar com o temor da população quanto ao lixo radioativo continua sendo um grande desafio.

"Conseguir a aceitação dos políticos e das populações locais com relação à escolha de locais apropriados não é uma tarefa fácil, e essa tem sido a principal razão para o atraso da maioria dos programas nacionais", escreveu Carruthers em um e-mail enviado a "Spiegel Online".

"O principal problema para a implementação de uma estratégia para o lixo atômico e especialmente para a criação de um depósito geológico é a aceitação popular".

O ministro da Economia da Alemanha recebeu bem o relatório na quarta-feira, afirmando que ele fornece esclarecimento sobre a adequação geológica da Alemanha para os depósitos de resíduos nucleares altamente radioativos.

Um porta-voz também exigiu que as pesquisas em Gorlebem sejam imediatamente retomadas, já que o estudo revelou que a argila é inferior à rocha salina para o armazenamento de lixo atômico.

Porém, mais estudos serão, sem dúvida, necessários para que se determine onde as condições sócio-políticas poderiam permitir a construção de tais depósitos.


Data: 20/04/2007