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UFCG: 5 anos de existência (parte IV)

Wagner Braga Batista

Professor da UFCG

 

A falta de interação e de sociabilidade entre os integrantes da comunidade universitária contribuiu para que a instituição se pulverizasse em grupos residuais. Permitiu que prevalecessem suas inclinações e seus interesses restritos em detrimento de um projeto abrangente para a universidade pública.

 

Valores essenciais à condução da vida universitária se dissolveram.  Como uma exigência dos novos tempos, a digressão desses valores foi formatada pelo absenteísmo e pela delegação de responsabilidades. Pelo pomposo empowerment.

 

Hoje, fóruns de deliberação são subsumidos por câmaras e comissões reduzidas eximindo professores da participação em decisões e de compromissos fundamentais para a universidade pública.

 

O abandono de princípios e de práticas democráticas, essenciais à educação e à universidade pública, é justificado pelo pragmatismo que sedimenta a prioridade de outros afazeres, o interesse individual, a busca de vantagens, os negócios e o empreendedorismo.

 

Entidades de representação são afetadas por essa índole. Sofrem mutação. Procuram mascarar essa metamorfose utilizando-se de discurso supostamente radical, que não tem ressonância, porque já não corresponde aos interesses restritos de seus associados.

 

Argumentamos que a crise de valores que atinge a sociedade e assoma à universidade repercute duramente nos sindicatos.

 

Movimentos sociais e entidades civis enfrentam uma crise de representatividade. Tem direções legitimamente constituídas, porém carecem de sustentação para desempenhar suas atribuições.

Essa crise desdobra-se em duas vertentes contraditórias. A debilidade de movimentos sociais e de entidades de representação de classe converte-se em aparente fortalecimento de suas direções. Dissociadas das bases e se valendo da rala participação dos representados, ganham autonomia para se pronunciar e intervir de forma independente, desconsiderando vicissitudes da organização e das tarefas da representação num momento de refluxo das lutas sociais.

 

No caso das associações docentes, a degenerescência é visível.O absenteísmo ou a pouca permanência de professores na universidade refletem-se no vazio da vida sindical, gregária por natureza. A ação molecular e militante, prestigiando os professores nos seus locais de trabalho, desapareceu. Praticamente tudo que é feito no sindicato é profissionalizado e terceirizado. A confecção de boletins informativos, de convocatórias, de programação de cinema, a distribuição de panfletos, entre outras ações, ilustram esse fato. Salvo em momentos de pico, não se observa mais o envolvimento militante, voluntário e generoso de professores com a realização de atividades sindicais indispensáveis para a defesa da educação e da universidade pública.

 

Entidades de representação estudantis também têm dificuldades de catalizar a sociabilidade desejada.

 

Nesse cenário nebuloso, a falta de um projeto coletivo para a universidade e para a sociedade viabiliza o movediço jogo de interesses circunstanciais. Amparados na presunção da flexibilidade administrativa, da pouca fluidez dos projetos institucionais e da volatilidade de decisões colegiadas, grupos residuais ocupam vazios e afirmam seus interesses. Utilizam de métodos e de mecanismos pouco transparentes, porém eficazes para lograr seus interesses restritos. Prosperam nas lacunas abertas por omissões de professores, funcionários e alunos.

 

A falta de participação orgânica, disciplinada e sistemática da comunidade universitária abre campo para oportunismos, para ambigüidades e para incoerências de toda ordem. Pagamos caro por isto. A renúncia a compromissos e responsabilidades coletivas implica na dissolução da cultura acadêmica, de relações pedagógicas e de valores fundamentais para a educação pública.

 

Não podemos perder de vista que a universidade produz laços orgânicos com a sociedade civil. Ao cultivar esses laços fortalece o envolvimento de professores e de alunos com o ensino, a pesquisa e a extensão. Incita a participação de toda comunidade universitária na formulação e execução de um projeto de universidade consoante com suas práticas e aspirações. No entanto, hoje essas relações estão debilitadas, pois são movidas e alimentadas por interesses restritos, por negócios obscuros e pelo fisiologismo.

 

Quando entrei na universidade, professores credenciavam-se e eram reconhecidos pela cultura abrangente, pela bagagem teórica, pelo conhecimento especializado, pela competência técnica, pela capacidade de atender aos alunos e responder aos anseios da sociedade. É lamentável, que alguns de nossos pares procurem se destacar e adquirir visibilidade como negociantes, como vendedores de serviços ou como investidores privados. São poucos, mas ferem a consciência coletiva.

 

Como antíteses do servidor público, desvencilham-se gradativamente de seus compromissos, burlando o regime de trabalho, renegando sua identidade profissional, seus laços orgânicos com a docência para se converterem em self made men. Alunos espelham-se em seus exemplos, na sua índole, nas suas práticas, nos seus valores.

 

Outros, credenciam-se por meio de apelos à excelência acadêmica, à competência, à eficiência e à rentabilidade dos seus serviços privados. Criticam a instituição pública para se realizar na esfera privada. Transformam a universidade numa feira de negócios. Viabilizam-se como empreendedores, sem riscos, uma vez que seus salários são pagos regularmente com recursos públicos. Afirmam-se como agentes de interesses privados, inviabilizando a função social e o caráter público da instituição de ensino a qual estão vinculados. Desse modo, a universidade tende a se fechar numa redoma de interesses restritos.

 

No entanto, a UFCG apresenta virtualidades no relacionamento social. Tem se destacado no campo da extensão universitária. Assim como a UFPB, torna-se uma referencia nacional, com projetos significativos que têm a participação de inúmeros professores e alunos, sendo realizados em todo Estado da Paraíba.

 

Multifacetada e multicampi, a UFCG se expande. Apesar da sua juventude, assumiu desafios, enfrentou problemas e adversidades. Está se afirmando no cenário regional e nacional. Não como uma ilha de excelência, mas como uma instituição pública com virtudes e vulnerabilidades próprias da educação pública, da educação de grandes massas.

 

Conjunturalmente, a tônica na eficiência gerencial, na agilidade administrativa, na qualidade total, na formação restrita, na elitização do ensino, na auto-suficiência financeira, foi substituída pelo discurso da ampliação de oportunidades de acesso e na valorização do ensino público como um direito de todos. Nesse diapasão, o critério quantitativo tornou-se dominante em projetos institucionais.

 

Por ironia do destino, essa compleição da UFCG tornou-se pouco condizente com sua proposta original. Por grandeza de espírito, o reconhecimento da importância desses objetivos da universidade pública, levou a que vários colegas declinassem de suas postulações anteriores e se curvassem ante a força dos fatos. Reconhecem o vigor de políticas educacionais de governo favoráveis à criação de instituições de ensino superior e à ampliação do ensino público, acolhem algumas de suas diretrizes e se empenham para alargar as possibilidades de acesso à universidade.

 

Não podemos ficar só nisso.

 

A superação de distorções existentes na universidade e de crônicas carências educacionais exige muito mais empenho coletivo. Impõe o debate franco, o envolvimento direto e o compromisso de todos com a superação de adversidades que podem inviabilizar o projeto de ampliação e melhoria da educação pública em todos os níveis.

 

Impõe a participação coletiva e orgânica de professores, de funcionários e de estudantes como única possibilidade de que esse projeto não seja manipulado ou desvirtuado, rebaixando padrões educacionais e degradando ainda mais as condições de trabalho, de ensino e de aprendizado.

 

A participação coletiva é a garantia da qualidade desejada para a universidade pública. Avaliza e sustenta o projeto educacional mesmo em condições adversas.

 

Portanto, se pretendemos ser coerentes, não podemos delegar essa tarefa para especialistas, para  equipes de trabalho, para organismos colegiados, para círculos restritos, ainda que reconheçamos suas inestimáveis contribuições.

 

Se não quisermos ficar chorando pelo leite derramado, não podemos transferir responsabilidades na formulação e na construção de um projeto coletivo para a UFCG, ampliada e consolidada como universidade pública, gratuita, autônoma, laica, de qualidade, de massas e multicampi.


Data: 19/04/2007