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Aumentou o número de etnias indígenas no Brasil

Cresceu também a população indígena, segundo IBGE

Nos últimos seis anos, aumentou o número de etnias indígenas no Brasil. Passou de 216 para 225 - um mosaico de sociedades que falam cerca de 180 línguas. Cresceu também a população indígena, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): em 1991, o censo indicava 294 mil índios; em 2000 esse número pulou para 734 mil, ou seja, um salto de 150%. Atualmente, a população indígena cresce quatro vezes mais do que a branca, de acordo também com o IBGE.

Essas informações estão no décimo volume da série Povos Indígenas no Brasil – 2001/2005, lançado no final do ano passado pelo Instituto Socioambiental (ISA), entidade não governamental que defende bens e direitos sociais relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e aos povos.

Segundo o historiador e antropólogo José Maurício Arruti, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro do Museu Nacional (RJ), o aumento no número de povos tem relação com o processo de retomada e construção de identidade de grupos sociais que reclamam a condição de indígenas (também denominados "resistentes" ou "ressurgidos").

Isso explica, de acordo com ele, o surgimento de nove etnias nos últimos anos, incorporadas a partir de informações básicas a respeito da autodeterminação, localização, população e, principalmente, a manifestação de vontade do próprio povo.

"O que aconteceu foi que, no final do século 19, principalmente no Nordeste, uma série de áreas indígenas foram tomadas pelo Estado brasileiro, e as populações, decretadas como nacionais. Entretanto, elas foram extintas no papel, oficialmente, apesar de não terem sido eliminadas fisicamente ou dizimadas do ponto de vista cultural", explica Arruti.

Com a criação, no início do século 20, do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que depois se transformaria na Fundação Nacional do Índio (Funai), esses povos "oficialmente" extintos começaram a lutar para serem reconhecidos como grupos indígenas, sobretudo a partir dos anos 20 e 30 no Nordeste. "Isso caracteriza um primeiro momento do ressurgimento de um grupo étnico", sublinha o historiador.

Na antropologia, explica ele, esse "ressurgimento" é chamado de etnogênese. "Desde os anos de 1970, mas em especial nos últimos cinco anos, tais etnogêneses vêm se multiplicando de forma surpreendente para qualquer observador, leigo ou especialista", escreveu ele no estudo do ISA. Nesse período, Arruti localiza demandas de 50 grupos pelo reconhecimento como indígenas, especialmente no Norte e Nordeste (22 no Ceará e sete no Pará, por exemplo).

Em 2003, o Brasil ratificou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre "Povos Indígenas e Tribais em países Independentes". O texto é de 1989 e traz referências aos direitos ambientais, humanos e étnicos.

Assim, determinados acordos internacionais passaram a valer como leis nacionais, explica ele. Um dos artigos da convenção, afirma Arruti, determina que os países abandonem a política de assimilação para adotar uma política de reconhecimento pleno das diferenças culturais e étnicas, e que aceitem a autonomia de organização desses grupos.

"O Estado passa, então, a adotar uma postura de respeito pela diferença, e deixa de ser soberano classificador de quem é o quê. Com a ratificação da 169 pelo Brasil, são os povos étnicos que definem sua identidade", pontua o antropólogo.

Segundo ele, a partir daí, alguns grupos conseguiram recuperar ou afirmar essa identificação por meio da ritualidade ou da religiosidade ligadas a uma ancestralidade indígena Outros afirmaram essa identidade pela presença em determinado território, ou a partir de reações discriminatórias de outros grupos, o que fortaleceria a identidade desse povo. Tudo isso, conclui Arruti, tem ajudado no aumento do número de povos indígenas no país.

No âmbito administrativo, Arruti lembra que a mudança fundamental ensejada pela Convenção 169 foi o abandono dos chamados "laudos periciais antropológicos" para verificar se um grupo poderia ser reconhecido como indígena ou não. "Mas com a ratificação da convenção, o Estado brasileiro finalmente abdicou formal e teoricamente dessa sua prerrogativa com relação ao poder de classificar sua população", escreveu ele no documento do ISA."

Arruti alerta que os povos "resistentes" não podem ser considerados "menos índios" do que os demais, especialmente em relação a sua demanda por políticas públicas. Ele lembra que esse fenômeno acontece por toda a América Latina.


Data: 19/04/2007