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Genes explicam tráfico de escravos

Análise do DNA compensa falhas no registro histórico e fornece mapa de origem africana dos negros brasileiros

A análise genética de algumas populações autodeclaradas negras nas cidades de São Paulo, Rio e Porto Alegre está ajudando a reformular a história oficial do tráfico de escravos da África para o Brasil.

Registros dos navios negreiros que aportaram no país até 1850 declaram que a maior parte dos africanos que foram trazidos para cá era proveniente da região centro-ocidental do continente (em especial de Congo e Angola).

Mas, ao comparar o padrão de alterações genéticas compartilhado por africanos e brasileiros, cientistas descobriram que os países da África ocidental tiveram uma participação maior que a imaginada.

Em média, os historiadores consideram que a região delimitada por Senegal e Camarões forneceu entre 8% e 10% dos escravos que vieram para o Brasil.

No entanto, ao analisar amostras de sangue das três capitais, os geneticistas Sergio Danilo Pena, da UFMG, e Maria Cátira Bortolini, da UFRGS, encontraram porcentagem bem maior.

Nos 120 paulistas analisados, a equipe de Pena descobriu que 43,1% apresentavam material genético típico do oeste africano.

Com voluntários do Rio e de Porto Alegre, Maria Cátira encontrou respectivamente 31% e 18% de traços da costa oeste africana.

Os estudos já foram submetidos a publicações científicas e estão descritos na edição deste mês da revista Pesquisa Fapesp (http://www.revistapesquisa.fapesp.br).

Alguma discrepância já era esperada por historiadores, uma vez que os dados oficiais são incompletos.

Em parte isso ocorreu porque após a Lei Áurea, que aboliu a escravatura em 1888, o governo brasileiro queimou vários documentos do tráfico.

Para piorar, as informações dos navios negreiros não eram exatamente confiáveis.

"Em 1815, o tráfico da África ocidental foi proibido, mas os contrabandistas continuavam passando por lá. Eles informavam que iam até Angola, mas no caminho desviavam para a Nigéria, pegavam alguns escravos, mas os cadastravam como angolanos", conta o historiador Manolo Florentino, da UFRJ.

"Os dados de Pena e Maria Cátira desmascaram isso. Sabíamos da ilegalidade, mas não tínhamos dados para comprová-la. Os resultados são impressionantes. A genética resolveu o problema", comenta.

A presença mais significativa de traços genéticos da África ocidental em SP se explica, segundo Pena, porque o fornecimento de escravos para o Estado saiu do Nordeste brasileiro.

Sabe-se historicamente que os portos do Recife e Salvador receberam mais negros daquela parte da África, enquanto o do Rio foi mais abastecido com povos do centro-oeste.

Dois fatores explicam a migração interna para o Sudeste, de acordo com Florentino.

Por questões culturais, os povos iorubás (da Nigéria) tinham um comportamento mais proativo na tentativa de conseguirem a alforria.

Se conseguissem juntar dinheiro equivalente ao valor pago por eles, conquistavam a liberdade.

"Eles acabaram dominando o pequeno comércio do Nordeste. Quando ficavam livres, migravam para SP", conta.

Em um segundo momento, quando a cultura de cana-de-açúcar entrou em decadência, os escravos foram vendidos para SP e Rio para trabalhar nas fazendas de café.

Ascendência feminina

As análises genéticas feitas por Pena e Maria Cátira comprovam ainda uma outra característica daquele período histórico: a exploração sexual das escravas.

"Os estudos revelam que as mulheres africanas contribuíram mais para a formação do povo brasileiro que os homens do continente", afirma.

A informação é revelada pelo chamado DNA mitocondrial - que é transmitido apenas pela linhagem materna - e pelo cromossomo Y, passado pelos homens.

Esses trechos do genoma não sofrem alterações quando passados de pai para filho. Eles não levam informação genética, mas são excelentes marcadores de ancestralidade.

Em SP, 85% dos voluntários tinham o DNA mitocondrial africano, enquanto apenas 48% possuíam o cromossomo Y característico do continente.

No Rio a proporção era de 90%/56% e em Porto Alegre, 79%/36%.

Isso significa que, mesmo se autodeclarando negros, os voluntários tinham em sua composição traços genéticos de outros povos, muitos deles provavelmente brancos.

É mais uma prova de que o conceito de raça não se aplica para o povo brasileiro, como defende Pena: "Somos todos igualmente diferentes."


Data: 16/04/2007