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A face gelada do aquecimento global

Paisagem na Península Antártica está em profunda transformação

Blocos monumentais de gelo. Icebergs que parecem embarcações à deriva. Paredões brancos. Neve por toda parte. Quem chega à Antártica pela primeira vez só vê gelo. Mas pesquisadores e militares que já estiveram aqui diversas vezes garantem que a paisagem mudou completamente, sobretudo nos últimos cinco anos. O aquecimento global na Península Antártica não é uma compilação de dados científicos. É algo visível.

- A vegetação é um dos maiores indicadores - aponta o especialista em solos Carlos Schaefer, da Universidade Federal de Viçosa, cujo estudo nas Ilhas Shetlands é um dos aprovados para o Ano Polar Internacional. - Quanto menos permafrost (solo congelado), maior a oportunidade do surgimento de vegetação.

Geleiras desaparecem

A existência de mais musgo é um dos sinais visíveis do aquecimento na Península. O desaparecimento de geleiras e a retração das áreas cobertas de neve são outros.

A desintegração de plataformas de gelo, como Larsen A e Larsen B, no leste da Península, que perderam 15 mil quilômetros quadrados em 15 anos, são o exemplo mais dramático.

- Dá para conferir visualmente. O mar, perto da estação brasileira, congelava sempre. Hoje, raramente isso acontece - afirma o geofísico espacial Christiano Brum, do Instituto Nacionais de Pesquisas Espaciais (Inpe), que já esteve 13 vezes na Antártica. - Havia uma geleira perto da estação do Brasil que, de 2001 para 2005, deixou de existir.

A temperatura média global do ar aumentou 0,8 grau Celsius em 140 anos. Mas na Península Antártica, a elevação registrada foi de 3 graus Celsius nos últimos 55 anos. Uma diferença bastante considerável, mesmo se levarmos em conta que as regiões polares são as mais sensíveis a qualquer alteração climática.

Embora o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU, formado por 2.500 cientistas, dê como praticamente certo que a ação humana está por trás desse aumento de temperatura, pesquisadores buscam, nas mais diversas áreas, por mais indícios dessas mudanças e das possíveis relações de causa e efeito.

- As mudanças na paisagem na Península são muito claras - afirma o gl acio logi sta Jefferson Simões, da Universidade Federal do Rio Grandedo Sul. - Estamos vendo mudanças que ocorrem naturalmente, sim, mas que estão acontecendo muito depressa. O mais importante não são as mudanças em si, mas a velocidade com que ocorrem.

O projeto do grupo de Simões aprovado para este Ano Polar vai investigar, justamente, a história do clima para tentar distinguir, com a ajuda de dados do passado, o que seriam alterações naturais e o que pode estar sendo induzido pelo homem.

Perfurando o gelo a profundidades cada vez maiores, os pesquisadores conseguem o que se chama de testemunhos de gelo. Encapsulado no gelo, está um arquivo natural da história do clima e das concentrações de gases atmosféricos.

O grupo da UFRGS já tem um registro dos últimos 720 mil anos. A meta agora é chegar a 1,5 milhão.

- Nesses 720 mil anos, a diferença do mais frio para o mais quente foi de 8 graus Celsius - contou. - Agora, em 140 anos, já tivemos um aumento de 0,8 grau e isso está se acelerando.

Outro indício, aponta ele, é o aumento das concentrações de gases do efeito estufa, como o CO2, que também podem ser medidas pelos testemunhos de gelo e cujo volume nunca esteve tão alto quanto agora.

Um outro projeto a ser finalizado no Ano Polar é o de Schaefer, que estuda as variações nos solos congelados (permafrost). Até o verão de 2009, o grupo de Schaefer terá concluído o levantamento dos solos das Ilhas Shetlands, num total de 180 quilômetros quadrados.

- Constatamos que o solo nessa região tem menos permafrost do que se imaginava - afirma.

Outros oito países participam do mapeamento dos solos na Península.

- Tenho convicção de que o aquecimento causado pelo homem provoca todas essas mudanças. Mas para termos uma certeza científica, precisamos ainda de uma série de 15 a 20 anos de dados.


Data: 07/03/2007