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Alergia alimentar é campo ainda pouco compreendido pela ciência

Cada vez mais freqüente nos países ocidentais, a alergia alimentar é um campo ainda pouco compreendido pela ciência. Nos últimos anos, vários pesquisadores têm se debruçado sobre a doença para entender suas causas e buscar um tratamento ou a cura --por enquanto, a única solução segura é cortar o alimento da dieta.

O que se sabe é que há um forte componente genético envolvido: quando os pais apresentam alergia --de qualquer tipo, não só a alimentos--, a chance de o filho ter o problema aumenta. O pai de Juliano e Pedro, por exemplo, tem rinite. A mãe teve asma infantil e chegou a sofrer um choque anafilático por alergia a um remédio.

Também é sabido que os alimentos que causam alergia têm algumas proteínas com características específicas. "Elas são resistentes ao processo digestivo e chegam ao intestino bastante intactas", explica Cristina Miuki Abe Jacob, chefe da unidade de alergia e imunologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo).

O leite de vaca, presente na nossa alimentação desde que somos muito pequenos, é o campeão de reação entre as crianças. "Nessa fase, muitas vezes o intestino não tem maturidade suficiente e deixa passar proteínas que normalmente não passariam, o que acaba causando a reação", observa a alergista Maria de Fátima Marcelos Fernandes, diretora da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia.

Segundo ela, metade dos alérgicos a leite melhora espontaneamente até um ano de idade e 85% até os três anos.

Ovo, soja, trigo e amendoim também estão entre os maiores alérgenos na infância. Os frutos do mar e as castanhas, mais responsáveis por alergia na vida adulta, engrossam a lista.

Em relação à busca de tratamentos, uma das linhas de pesquisa que têm trazido esperanças é a que tenta criar uma vacina recombinante. Trata-se de modificar levemente, em laboratório, proteínas do alimento que causa alergia. Testes mostraram que ratos que tinham choque anafilático quando em contato com amendoim deixaram de ter a reação após receber a proteína modificada.

A FDA (Food and Drug Administration, agência que regula alimentos e medicamentos nos EUA) já autorizou o teste em humanos, mas as experiências ainda não começaram.

"A substituição de apenas alguns aminoácidos [componentes das proteínas], sem modificar a estrutura do alimento, faz com que o organismo do alérgico deixe de encarar aquela proteína como "inimiga". Então, ele pode parar de produzir os anticorpos responsáveis pelas reações alérgicas", explica a pediatra Renata Cocco, pesquisadora do ambulatório de alergia alimentar da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

A médica participou de pesquisas com as vacinas recombinantes na Mount Sinai School of Medicine, em Nova York. Apesar de o foco dos cientistas americanos ser o amendoim --que, por ser muito consumido no país, é responsável por várias reações graves--, Cocco trabalhou com proteínas do leite, alérgeno mais compatível com a realidade brasileira.

Ela afirma que esses estudos começaram no fim dos anos 90 e que os avanços têm sido rápidos. Em quanto tempo teremos uma vacina, e se será mesmo por esse caminho, ainda não dá para dizer, mas, para Cocco, é possível que isso ocorra em menos de dez anos.

Também na Mount Sinai, cientistas têm pesquisado o efeito de ervas chinesas na alergia. Testes laboratoriais conseguiram inibir reações anafiláticas em cobaias --ainda não há pesquisas com humanos.

Diferentemente das respiratórias, na alergia alimentar não é possível aplicar a imunoterapia --quando pequenas doses do elemento alergênico (como os ácaros) são injetadas no paciente, fazendo com que ele adquira tolerância. Isso porque os riscos são muito grandes, e mesmo doses minúsculas podem gerar reações graves.

Alguns cientistas tentam trabalhar com a chamada dessensibilização oral, na qual o paciente come, de forma controlada e gradativa, pequenas quantidades do alimento até ficar mais resistente.

Embora funcione para algumas pessoas, o risco é muito alto --a chance de ocorrerem reações graves gira em torno de 30%. O perigo aumenta pelo fato de o procedimento ser feito por tempo prolongado. "Vários colegas meus abandonaram essa prática há anos", diz o bioquímico brasileiro Marcos Alcocer, professor na Universidade de Nottingham (Inglaterra).

Alcocer vem investigando as causas da alergia alimentar, com foco nas proteínas dos alimentos. "Se entendermos o que faz uma proteína ser reconhecida como alérgeno para alguns e não para outros, poderemos um dia atenuar a resposta alérgica", afirma.


Data: 16/02/2007