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Literatura científica é setor que mais cresce

Edições são pequenas e atualizadas todo ano. Seu maior inimigo: a cópia

 

Não espere encontrar o livro Paciente Crítico - Diagnóstico e Tratamento, que reúne a experiência de quatro médicos amigos no atendimento de doentes graves no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, na prateleira de best-sellers de uma badalada livraria. Apesar disso, em oito meses de carreira, o livro vendeu 1,5 mil exemplares (confira na reportagem abaixo) e se destaca na área da literatura científica brasileira, o setor livreiro que mais cresceu nos últimos anos. De 2004 a 2005, o setor aumentou em 32,9% o número de títulos editados e em 18,2% o de exemplares impressos.

A Câmara Brasileira do Livro (CBL) ainda não fechou os números de 2006, mas o diretor-executivo Armando Antongini diz que os indicadores do primeiro semestre apontam para um novo crescimento, entre 8% e 10%. Esses números são duplamente promissores: por um lado, atestam a maturidade do pensamento científico brasileiro; por outro, mostram que a produção científica nacional já é capaz de confrontar o pensamento importado que antes imperava aqui e, mais que isso, impor-se na América Latina.

A literatura técnico-científica brasileira começou a ganhar corpo nos anos 60, quando surgiram as primeiras editoras universitárias - a Editora UnB, em 1961, e a Edusp, em 1963. Gradualmente, o pensamento acadêmico brasileiro, até então alimentado pela produção estrangeira, começou a criar escola própria e a ter produção própria. Hoje ainda há muitas traduções, mas em várias áreas prevalece uma produção científica genuinamente nacional, que já começa a se aventurar pela América Latina.

Fase de crescimento

A árvore cresceu e deu frutos. Só em 2005, o setor científico, técnico e profissional (CTP, na sigla da Câmara) imprimiu mais de 20 milhões de exemplares, depois dos 17 milhões de 2004; em 2006, deverão ser contabilizados uns 22 milhões, garante Antongini. Metodologia do Trabalho Científico, uma obra seminal do professor Antônio Joaquim Severino, já vendeu 450 mil exemplares, diz José Xavier Cortez, diretor da Editora Cortez. As obras de Florestan Fernandes e Milton Santos vendem muitíssimo bem.

Os exemplos surpreendentes se reproduzem. No País das novelas de televisão, O Desafio do Conhecimento, da socióloga Maria Cecília de Souza Minayo, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vai para uma garbosa 10ª edição, frisa Flávio Aderaldo, diretor da Editora Hucitec. História do Brasil, de Bóris Fausto, lançado há 12 anos, está na 12ª edição, com mais de 100 mil exemplares vendidos, registra Marilena Vizentin, editora-assistente da Edusp. A Importância do Ato de Ler, de Paulo Freire, da Cortez, já vendeu mais de 300 mil exemplares.

Por enquanto, esses números exponenciais refletem apenas o consumo interno, mas algumas editoras começam a desafiar a secular barreira do idioma para semear o pensamento científico brasileiro na América Latina, que até agora vivia mais ou menos como o Brasil de antes dos anos 60: aprendendo ciência em inglês. A Cortez começou sua saga freqüentando as feiras de Guadalajara e Buenos Aires, as maiores do continente; fez contatos, ofereceu produtos em espanhol e agora vende o pensamento científico brasileiro para México, Colômbia, Porto Rico, Guatemala e até para a Espanha.

“A pequena produção científica da maioria dos países latino-americanos está voltada para áreas muito específicas. Com nossos livros, eles estão deixando de aprender em inglês e recebendo a ciência traduzida, já em espanhol”, observa Cortez, um ex-marinheiro, sócio número 19 da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil, entidade-estopim do golpe de 1964, que veio fugido para São Paulo, montou uma banca para vender livros na PUC-SP e acabou editor.

Ciência a conta-gotas

Os livros científicos - sejam de Medicina, Filosofia, Serviço Social, Direito ou Engenharia - quase nunca têm capas atraentes. Em geral, as edições têm entre 1,5 mil e 3 mil exemplares; e nem poderiam ser maiores, porque as atualizações periódicas são obrigatórias. Em alguns setores, como Medicina e Arquitetura, devem, obrigatoriamente, ser bem ilustrados.

Raramente são postos à venda em livrarias tradicionais; eles são vendidos em quiosques de universidades, em eventos e congressos, via encomenda de livrarias, por reembolso postal e, mais recentemente, pela internet. Os lançamentos ocorrem, de preferência, no início de anos letivos, épocas mais atrativas aos compradores potenciais, e não às vésperas do Natal, como acontece com as obras gerais.

Entre eles, o best-seller não é o que vende milhares de exemplares na largada, mas o que sai regularmente - algo como 2 mil a 3 mil exemplares por ano. As editoras do setor são, em geral, fundadas por velhos cultores do pensamento científico, não raro esquerdistas tradicionais. Vibram com o que fazem: “Isso é que é livro!”, brada Aderaldo, ao mencionar seus lançamentos históricos - Formação da Literatura Brasileira, de Antonio Cândido, e Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado.

Os editores estão satisfeitos com o surgimento continuado de novos autores. Mas se queixam de dois grandes adversários que enfrentam em seu dia-a-dia. Um é a ausência de uma política oficial de incentivo ao livro CTP, principalmente para estimular exportações. Quem se aventurar no mercado externo vai ter de navegar sozinho ou se agrupar com parceiros, como fez a Cortez.

Outro é o mais letal inimigo - a famigerada cópia xerográfica, horror dos autores e editores. “O livro científico é o que mais sofre com os efeitos da pirataria”, diz Antongini, “embora não devesse, porque é consumido nos escalões mais cultos”. Os sinais se avolumam: o quiosque na PUC-SP em que o ex-marinheiro Cortez começou a vender livros científicos nos anos 60 virou uma livraria tempos depois. Mas fechou há anos e, em seu lugar, instalou-se justamente o inimigo: uma loja de cópias xerográficas.


Data: 12/02/2007