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Medicina reprovada - Editorial do Estado de SP

Como era esperado, o melhor desempenho foi obtido pelas instituições mais tradicionais, que aliam ensino e pesquisa científica

A prova de habilitação profissional que foi aplicada em 2006 aos estudantes do sexto e último ano dos cursos médicos no Estado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), e cujos resultados acabam de ser divulgados, revelou uma situação preocupante.

Dos 2.203 alunos aptos a fazer o teste, que é dividido em duas etapas, uma teórica e outra aplicada, só 1.003 participaram. E, desse total, 37,9% não conseguiram acertar pelo menos 72 das 120 questões da primeira fase.

Ou seja, revelaram não ter conhecimentos mínimos para exercer a medicina. Na prova realizada em 2005, o índice de reprovação ficou em torno de 31%, número que, na época, já era considerado preocupante.

Como as provas do Cremesp vêm sendo realizadas em caráter experimental e a participação dos estudantes é facultativa, não há sanção para os reprovados.

Por isso, mesmo comprovado seu despreparo, eles poderão exercer a profissão, o que pode pôr em risco a saúde e a vida de muitas pessoas.

Muitos dos reprovados atuam como plantonistas em prontos-socorros, onde a maioria dos pacientes dá entrada necessitando de atendimento urgente por parte de profissionais competentes.

Certamente, essa é uma das razões por que o número de denúncias de erros médicos cresceu 142%, entre 1995 e 2005.

Das 23 escolas que foram avaliadas pelo Cremesp, 5 - todas situadas no interior - tiveram mais de 50% de estudantes reprovados. Com base nos resultados, o órgão elaborou um ranking de qualidade das faculdades de medicina do Estado de São Paulo.

Como era esperado, o melhor desempenho foi obtido pelas instituições mais tradicionais, que aliam ensino e pesquisa científica.

É o caso da Faculdade de Medicina da Santa Casa. Dos 91 formandos, 53 fizeram a prova, obtendo média de 83,7% de acerto. É também o caso da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Dos seus 115 sextanistas, 100 participaram do exame, com média de 82,1%.

E é o caso da USP, que mantém cursos de medicina na capital e em Ribeirão Preto. Dos 160 formandos, 34 participaram da prova, obtendo uma média de 80,94% de acerto.

"O ensino das escolas médicas deixa a desejar. E não foi uma prova tão complicada assim. Foi mais fácil que os exames para residência médica, em que se selecionam os melhores. Nosso objetivo foi simplesmente saber se nossos médicos saíram da faculdade sabendo o que deveriam saber", diz o médico Bráulio Luna Filho, coordenador do exame do Cremesp, que foi elaborado pela respeitada Fundação Carlos Chagas.

Ele acredita que, se os 2.203 estudantes do sexto ano tivessem feito a prova, os resultados teriam sido ainda piores.

Para os responsáveis pelos cursos reprovados, o teste do Cremesp não seria representativo, por ter sido aplicado a menos da metade dos formandos.

"A maioria dos estudantes boicotou a prova. Só 11 dos 108 formandos se inscreveram", afirma o diretor da Faculdade de Medicina e Enfermagem da Universidade de Marília, Carlos Eduardo Bueno.

"Não estimulamos a presença porque não concordamos com a avaliação. Fizemos uma grande reformulação há pouco tempo, mas não deu para ver todos os resultados", afirma o diretor do curso de medicina da Universidade do Oeste Paulista, Fernando Pimentel.

Mas esses argumentos devem ser vistos com reserva, pois os cursos reprovados pelo Cremesp também foram mal no Provão e no teste que o substituiu, o Enade.

Essa é mais uma demonstração do quanto o País ainda tem de avançar, para melhorar a qualidade do ensino superior. Realizada pela primeira vez há dez anos, a avaliação das universidades hoje está consolidada.

Foi um grande avanço, não há dúvida. Mas o passo seguinte, a aplicação de sanções aos piores cursos, até hoje não foi dado.

Embora tenham prometido rigor, principalmente com relação aos cursos "caça-níqueis", as autoridades educacionais pouco fizeram para fechá-los.

Com os péssimos resultados da prova do Cremesp, evidenciando os riscos que a população corre de ser atendida por médicos malformados, as autoridades não têm como justificar a excessiva leniência que vêm demonstrando com esses cursos.


Data: 02/02/2007