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UFCG entre as pioneiras na graduação em Educação Rural

Pela primeira vez no País, estudantes sairão da faculdade com diploma de professor rural. O inédito título faz parte de um convênio que o Ministério da Educação (MEC) acaba de fechar com cinco grandes universidades públicas. Essas instituições irão capacitar 250 professores que já trabalham nas salas de aula da zona rural e não têm formação superior.

Os cursos de graduação para professores do campo, com duração de quatro anos, serão oferecidos pela Universidade de Brasília (UnB) e pelas federais de Minas Gerais (UFMG), da Bahia (UFBA), de Campina Grande (UFCG), na Paraíba, e de Sergipe (UFS). As inscrições para os vestibulares serão abertas nas próximas semanas e os cursos deverão começar por volta de junho. Cada universidade abrirá 50 vagas.

“Nunca na história do Brasil tivemos uma licenciatura nesse formato”, diz a professora Celi Taffarel, responsável pelo curso da Bahia. “As políticas públicas para a educação sempre estiveram predominantemente voltadas para os grandes centros urbanos e pouco para o campo.”

Na zona rural, o analfabetismo atinge 29,8% dos adultos, enquanto na cidade o índice é de 8,7%. Completar os estudos no campo é tarefa quase impossível, como mostra o seguinte funil: 71,5% dos alunos estão no primeiro segmento fundamental (1ª a 4ª série), 28,5% cursam o segundo segmento (5ª a 8ª série) e 2,5% estão no ensino médio (antigo 2º grau). Perto da metade está fora da série adequada. De cada cinco professores, só um tem diploma universitário.

Embora o Brasil seja predominantemente urbano, metade das escolas está no campo. Cerca de 6 milhões de alunos estudam nesses 96 mil colégios. Todo os números são do MEC.

Pedagogia da terra - Além dos problemas, a educação rural tem particularidades que não recebem tanta importância nas licenciaturas comuns. Uma delas é a sala multisseriada. Por causa do número reduzido de professores e estudantes, alunos de séries diferentes dividem a mesma sala de aula e o mesmo professor.

Outra característica própria é a chamada pedagogia da alternância. Existem semanas sem aula ao longo do ano letivo quando, por exemplo, as crianças ajudam no plantio e na colheita nas roças. Os intervalos evitam a evasão.

Uma das principais preocupações dos organizadores dos novos cursos universitários será aumentar a auto-estima dos professores e, em efeito cascata, também a das crianças da zona rural. “Há, historicamente, uma desvalorização muito grande do campo. É aquela história do jeca, do caipira, do capiau”, afirma o professor Antonio Julio de Menezes, que participou da criação de uma graduação semelhante na UFMG há dois anos, voltada para professores de assentamentos de sem-terra.

Uma das alunas desse curso, a professora Maurina Martins, exemplifica: “É comum as crianças valorizarem o que vem da cidade, e não o que elas produzem. Gostam mais do suco em pó colorido do que do suco natural. Numa das aulas mostrei as diferenças entre o produto químico e o suco da fruta que elas mesmas apanham”.

Sem moldes - O acordo com o ministério prevê que cada universidade tenha um curso com conteúdo próprio. “Os cursos não podem ser pré-moldados. A realidade do campo é muito heterogênea, muito diversificada”, explica o secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC, Ricardo Henriques.

O MEC destinou R$ 1 milhão às federais que aceitaram o desafio de criar as licenciaturas - R$ 200 mil para cada uma. Além da elaboração da nova pedagogia, o dinheiro pagará o transporte, a hospedagem e a alimentação dos alunos-professores durante os quatro anos do curso, já que eles dão aula em escolas do interior dos Estados.

Também por causa das distâncias, as graduações não serão totalmente presenciais. Os alunos-professores passarão um mês nas férias de julho e outro mês nas férias de fim de ano estudando nas respectivas universidades. Depois levarão textos a serem lidos e trabalhos a serem realizados nas escolas durante o ano letivo. De tempos em tempos, supervisores irão visitá-los para verificar como o módulo à distância do curso está indo.

O vestibular também terá um formato especial. As provas não serão as mesmas que se aplicam aos estudantes recém-saídos do ensino médio. Uma das possibilidades será selecionar os alunos-professores por meio de uma redação autobiográfica e um exame de interpretação de texto.

As licenciaturas em educação no campo, pelo menos agora, não passarão a fazer parte da grade permanente das cinco universidades federais. O acordo com o Ministério da Educação prevê a formação de apenas uma turma em cada instituição.
A idéia do governo, porém, é que a preocupação com a educação rural não morra depois da formação dos 250 professores. “A perspectiva é que, com base no conhecimento que essas cinco universidades criarem, esse tipo de licenciatura seja incorporado à rede universitária do Brasil”, explica o secretário do MEC.

Projeto é inspirado em graduação para sem-terra - O programa do MEC de incentivo à criação de cursos de formação de professores rurais tem como base uma experiência ainda em curso da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Há três anos, a federal mineira foi procurada por organizações camponesas, como o Movimento dos Sem-Terra (MST) e a Via Campesina, pedindo apoio no treinamento dos professores dos assentamentos do Estado. O curso de graduação - exclusivo para assentados - surgiu no ano seguinte. “As universidades são latifúndio, e nossa presença aqui é uma ocupação”, discursou Armando Vieira, líder do MST em Minas, na aula inaugural, em 2005.

Foram admitidos 60 alunos-professores de todo o Estado. Eles vão duas vezes por ano a Belo Horizonte, para as aulas presenciais. Em cada período, ficam hospedados durante um mês num sítio alugado, perto da UFMG. As despesas com hospedagem, transporte e alimentação são pagas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). No resto do ano, como parte do curso, realizam atividades em casa e em suas escolas. A graduação dura cinco anos.

“Estou crescendo muito com esse curso”, conta Maurina Martins, que dá aulas para uma turma de 23 alunos da pré-escola e da 1ª série na escola estadual de um assentamento do MST em Governador Valadares. “Aprendi, por exemplo, a cobrar o que é nosso de direito. Não aceito mais quando nos mandam os livros que sobraram, o resto. Somos uma escola como qualquer outra.”

Maurina começou a dar aula na zona rural logo depois de concluir o magistério. Casou-se com um sem-terra e passou a viver no assentamento. Seu sonho sempre foi freqüentar uma universidade, algo distante de sua realidade. “Ninguém é pior que ninguém. O campo não é pior que a cidade. A oportunidade é que não é igual para todos. Finalmente estou tendo minha oportunidade.”

Apoiada pelo MEC, a universidade abre neste ano outro curso para professor rural.


Data: 22/01/2007