topo_cabecalho
Beber leite é sinal da evolução

Mutação que permite ingestão de leite de vaca ocorreu em povos distintos da Europa e da áfrica

Um caso ilustrativo da evolução humana surpreendentemente recente foi detectado entre povos do leste da África. É a capacidade para digerir leite na idade adulta conferida por mudanças genéticas que ocorreram há aproximadamente 3 mil anos, concluiu uma equipe de geneticistas.

Essa descoberta é um exemplo notável de uma prática cultural interferindo no genoma humano. A prática cultural, no caso, é a criação de gado leiteiro. Parece também ser um dos primeiros exemplos de evolução humana convergente a ser documentado no plano genético. Evolução convergente significa duas ou mais populações adquirindo a mesma característica independentemente.

Em praticamente toda a história humana, a capacidade para digerir a lactose, o principal açúcar do leite, desaparece após o desmame. Isso porque a enzima do gene da lactase, que separa o açúcar do leite, não é mais necessária.

Mas quando o gado foi domesticado pela primeira vez, há cerca de 9 mil anos, e as pessoas depois começaram a consumir o leite e a carne do animal, uma seleção natural teria favorecido alguns com uma mutação que fez com que o gene lactase se mantivesse ativo.

Sabe-se que essa mutação genética se manifestou entre os primeiros povos criadores de gado da cultura Funnel Beaker, que floresceu há 5 mil ou 6 mil anos na região centro-norte do continente europeu (povos do período neolítico, considerados os primeiros agricultores de uma extensa parte da Europa, que iria do sul da Noruega até a fronteira entre a Áustria e a antiga Checoslováquia e da Holanda até a Ucrânia).

Pessoas com o gene da lactase constantemente ativado não tinham nenhum problema para digerir o leite e seriam tolerantes à lactose.

Quase todos os holandeses e 99% dos suecos são tolerantes à lactose, mas a mutação vai ficando menos comum em europeus que vivem a distâncias cada vez maiores da antiga região onde floresceu a chamada cultura Funnel Beaker.

Quebra-cabeça

Os geneticistas questionavam se essa mutação, identificada em 2002, que permite a tolerância à lactose nos europeus, também teria se produzido entre povos pastores em outras regiões. Mas o que se supunha é que ela estaria quase que totalmente ausente da África, embora os povos pastores da região, no geral, apresentem um certo grau de tolerância.

Uma pesquisa conduzida pela pesquisadora Sarah Tishkoff, da Universidade de Maryland, agora solucionou boa parte desse quebra-cabeça. Depois de realizar testes genéticos e de tolerância à lactose em 43 grupos étnicos no leste da África, ela e seus colegas encontraram três novas mutações, todas independentes entre si e da mutação européia, que mantêm o gene da lactase permanentemente ativado.

Vantagem seletiva

A principal mutação genética encontrada em grupos étnicos de língua saariana da região do Rio Nilo, do Quênia e da Tanzânia surgiu durante um período que varia de 2.700 a 6.800 anos atrás, de acordo com estimativas genéticas. O estudo do grupo de Tishkoff foi publicado na última edição da respeitada revista científica Nature Genetics.

Esses dados combinam com provas arqueológicas indicando que povos pastores chegaram ao norte do Quênia há cerca de 4.500 anos e ao sul de Quênia e à Tanzânia há 3.300 anos.

As duas outras mutações genéticas foram encontradas em povos Beja do nordeste do Sudão e em tribos afro-asiáticas no norte do Quênia, que falam a mesma língua.

Todas as evidências genéticas mostraram que as mutações conferiram uma enorme vantagem seletiva para aqueles que as têm, permitindo que essas pessoas deixem dez vezes mais descendentes do que pessoas que não as têm.

Essas mutações criaram "uma das mais vigorosas assinaturas genéticas de seleção natural até hoje observada em humanos", declararam os pesquisadores no artigo publicado na revista especializada.


Data: 27/12/2006