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"Stonehenge" amazônico foi criação local

Primeira escavação em misterioso círculo de pedra no Amapá descarta tese de que seus construtores vieram do Caribe. Casal de arqueólogos diz, no entanto, ainda não poder confirmar se monumento era de fato um observatório astronômico pré-histórico.

O lugar já tem até nome: Parque Arqueológico do Solstício.

Mas os arqueólogos que estudam o local não sabem ainda se o estranho círculo de pedras feito em Calçoene, norte do Amapá, é realmente de um antigo observatório indígena.

O que eles sabem é que as escavações no monumento, iniciadas neste ano, parecem enterrar a hipótese atual sobre a identidade de seus construtores.

O círculo, de 30 metros de diâmetro, é feito de blocos de granito de até 4 metros de comprimento cada. Ainda não se sabe quando foi erguido, mas há conjuntos parecidos na Guiana Francesa com 2.000 anos de idade.

Apelidado de "Stonehenge do Amapá", em referência ao famoso círculo de pedras da Inglaterra, ele é conhecido há mais de um século - mas nunca havia sido escavado.

O trabalho coube a um casal de pesquisadores, Mariana Petry Cabral e João Saldanha.

Há um ano eles saíram do Rio Grande do Sul para iniciar -do zero- o setor de arqueologia do Iepa (Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá).

Cabral, que mantém a cuia de chimarrão ao lado do computador, diz que a interpretação do sítio como um calendário ou observatório "é uma proposta", que ainda não pôde ser testada.

Mas afirma que a tese faz sentido, quando se considera a posição do maior bloco do sítio.

A placa projeta uma sombra no chão. Esta some no dia do solstício de inverno, 21 de dezembro. Nessa data, o hemisfério Norte, onde se localiza aquela parte do Amapá, está no afastamento máximo do Sol.

A hipótese do observatório deverá ser testada em janeiro, quando o casal volta a Calçoene na companhia de geólogos.

Eles dirão se a inclinação do bloco é intencional ou um acaso, resultante da passagem dos anos e das queimadas feitas no local, que abriga uma pastagem.

Se não for confirmada, frustrará o governo do Estado. O governador Waldez Góes já desapropriou a fazenda onde está o sítio para a criação de um parque arqueológico.

Cabral e Saldanha, no entanto, só têm motivos para se empolgar cada vez mais com o sítio, e com 12 outras estruturas parecidas encontradas numa área de 20 km por 20 km em seu redor.

A primeira escavação realizada ali já sugere que os construtores do "Stonehenge do Amapá" provavelmente não eram quem se imaginava.

Coisa de casal

A hipótese original foi formulada também por um casal de arqueólogos: a americana Betty Meggers e seu marido, Clifford Evans, na década de 1950.

Meggers achava que o ambiente da Amazônia é pobre demais para suportar aldeias densas e permanentes.

Ela atribuiu as chamadas sociedades complexas da Amazônia a migrações de índios culturalmente mais "avançados", como os dos Andes e os do Caribe.

"Meggers e Evans viram essas estruturas e concluíram que os povos da floresta tropical não tinham condições de erguê-las", disse Saldanha.

A conclusão dos americanos foi que os monolitos eram obra dos índios aruãs, de língua aruaque, que desceram do Caribe e ocuparam a foz do Amazonas.

Invenção amazônica

No entanto, em estruturas batizadas de poços funerários, construídas junto aos monolitos e escavadas pela primeira vez pelo casal gaúcho, o que se encontrou foram cerâmicas da fase Aristé (ou Cunani).

Esse tipo de louça cerimonial, com pinturas em quatro cores e urnas antropomorfas, pertence a uma tradição cerâmica característica de povos amazônicos.

Essa tradição, a chamada Tradição Polícroma Amazônica, surgiu provavelmente na ilha de Marajó e se espalhou pela calha do Amazonas a partir do ano 1000 d.C. Não há sombra de material aruã nos poços.

"Foi um erro dela [Meggers] fazer essa associação", sentencia Saldanha.

No entanto, o mistério de Calçoene está longe de ser resolvido. Há outros poços parecidos, todos com cerâmica cerimonial, alguns com ossos, tampados com blocos de pedra. Mas nenhum sítio de habitação à vista.

Onde moravam os freqüentadores dos círculos? Outro problema: a terra preta, tipo de solo associado a agricultura e ocupações densas na Amazônia, não aparece no Amapá.

Se era preciso mobilizar muita mão-de-obra para construir os círculos, de onde a antiga sociedade indígena de Calçoene tirava comida para alimentar tanta gente?

Saldanha recorre de novo a uma comparação com o país vizinho: "Há sítios na Guiana nos quais se tem proposto que o adensamento populacional não se dá por produção agrícola, mas por caça, pesca e coleta de caranguejos", afirma.

Ele espera que a escavação de outros poços e sítios com monolitos ajude a esclarecer a questão.


Data: 11/12/2006