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Brasil investe em inovação, mas não sai do lugar, diz pesquisa

Trabalho prevê que o país vai entrar no "time do terceiro andar" apenas em 2144

O ano é um pouco distante: 2144. Mas é nessa data que o Brasil vai, finalmente, se integrar ao privilegiado grupo de países com economias e sistemas de inovação tecnológica plenamente desenvolvidos.

A conclusão, publicada recentemente na revista norte-americana Computing in Science & Engineering, é resultado de trabalho interdisciplinar de quatro pesquisadores brasileiros, que analisaram dados relativos ao Produto Interno Bruto per capita, patentes e artigos científicos de 183 países, das últimas três décadas.

Além de confirmar a forte correlação entre ciência e tecnologia no desenvolvimento mundial, os autores extraíram informações que devem servir de alerta para reestruturar o modelo brasileiro de desenvolvimento.

"Algo mais duradouro precisa ser feito para o país acelerar o crescimento", diz Eduardo Albuquerque, professor da Faculdade de Ciências Econômicas (Face)/UFMG, um dos autores do artigo. Segundo ele, os dados indicam que a baixa interação entre ciência e tecnologia no país é mais preocupante do que se imagina.

"Nossa produção científica cresce a uma velocidade de 6,6% per capita ao ano. Mesmo que ela fosse dobrada em uma década, permaneceríamos no mesmo lugar, em comparação com países desenvolvidos", revela.

Sem sair do lugar

O professor avalia que o Brasil necessitaria "correr" três vezes mais rápido para fugir da "maldição da Rainha Vermelha", numa analogia à história narrada na obra de Lewis Carroll, Alice através do espelho. Nela, a heroína, no papel de peão, corre, até perder o fôlego, em busca da posição que lhe permita transformar-se em rainha, durante um jogo de xadrez. Apesar do esforço e do tempo gasto, ela não consegue alterar sua posição.

Uma das inovações apresentadas pelo estudo originou-se da identificação de espaços vazios entre grupos de países, durante a análise de gráficos. Denominadas cross-over, essas quebras indicam a existência de limiares entre três aglomerações de pontos.

Por meio de técnica de modelagem de dados utilizada no estudo de sistemas magnéticos - a de agrupamento via superparamagneto - os pesquisadores puderam visualizar e caracterizar esses conjuntos de pontos, que representavam os países.

"Software desenvolvido para aplicar a técnica permitiu estabelecer equação de interação entre eles, a partir de dados sobre patentes, artigos e PIB", diz o físico Leonardo Ribeiro, responsável por esta parte do trabalho. Três regimes evolutivos foram caracterizados, indicando níveis diferentes de desenvolvimento entre as nações.

A inexistência de interação dos agentes do sistema de inovação nacional - universidades, instituições de pesquisa, empresas, governos e sistemas financeiros - foi um dos aspectos mais relevantes apresentados pelos 54 países pertencentes ao regime um. Sua produção científica, insignificante, é incapaz de alimentar a produção tecnológica.

Em 1974, o Brasil encontrava-se nesse primeiro grupo. Pulou para o regime 2, em 1998, quando atingiu o patamar de 63 artigos por milhão de habitantes. Ainda hoje, permanece no mesmo regime, junto com outros 43 países. Esse agrupamento ainda sofre com a fraca conexão entre seus agentes de inovação, baixa conversão da produção científica em tecnológica e imensas desigualdades sociais.

Fronteira que se move

O patamar seguinte, integrado por 19 países, apresenta, inversamente, grau elevado de interação. Nesse grupo encontram-se as nações da Europa Ocidental, a Austrália, Coréia do Sul e Canadá. Acima dos três níveis, pairam Estados Unidos, Japão e Taiwan. "Cada um desses regimes possui um limiar que pode ser medido pelo número de artigos publicados para cada milhão de habitantes", explica Albuquerque.

Outro fator, contudo, amplia o desafio dos países pobres: como o trabalho avaliou o processo de agrupamento das últimas três décadas, observou-se que o limiar também se movimenta. "Se a fronteira anda, o nível de exigência cresce", explica Albuquerque.

Sociedades menos desenvolvidas, portanto, gastarão mais energia para permanecer onde estão. De acordo com o pesquisador, esse fator explica porque o Brasil "anda", mas parece não sair do lugar, cumprindo a "maldição da Rainha Vermelha", que comenta, na ficção: "Aqui tem de se correr o mais depressa possível, quando se quer ficar no mesmo lugar. Se se pretende ir a um lugar diferente, é preciso correr pelo menos duas vezes mais depressa do que agora."

De acordo com Albuquerque, o ponto do limiar, em 1974, para saltar do regime 2 para o 3, era de sete artigos por milhão de habitantes. Em 1982, o número passou para 28, e, em 1990, chegou a 60. Em 1998, esse índice era de 150 artigos para cada milhão de habitantes.

O surgimento de novas tecnologias, crises e investimentos são alguns fatores que parecem mover o limiar. "As regras desse movimento não são conhecidas, logo, é preciso olhar 2144 com cautela", adverte o professor Albuquerque.


Data: 23/11/2006