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Talentos jogados no lixo

Psicólogos informam que o prazo de validade da adolescência envelheceu, alargando-se até os 32 anos -esse período seria conhecido como 'adultescência'. Talvez os efeitos dessa mudança sejam mais visíveis no crescente número de jovens que preferem continuar vivendo na casa dos pais mesmo depois de empregados, mas há um impacto maior: o da legião de estudantes, desorientados, que abandonaram o ensino superior, sem conhecer suas vocações.

 

Nas universidades federais, cujos vestibulares são muito disputados, a taxa de evasão chega a 40% dos matriculados. 'A cada ano percebo mais e mais estudantes imaturos, obrigados a escolher, na marra, a profissão', afirma Yvette Piha Lehman, coordenadora do Serviço de Orientação do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. É um devastador massacre de talentos.

 

Uma das características da adolescência, segundo a professora Yvette, é a combinação de vontade constante de experimentar com pouca disposição de assumir responsabilidades. 'A escolha de uma carreira é um ato de maturidade', diz ela. Para piorar a situação, aumenta rapidamente a oferta de novos tipos de cursos de ensino superior, muitos dos quais desconhecidos dos estudantes. 'É um erro fazer o jovem escolher tão cedo sua carreira.'

 

Para combater esse desperdício, uma das propostas educacionais mais provocativas, no Brasil, vem do reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Maomar Monteiro, para quem os alunos, depois de aprovados no vestibular, deveriam ficar dois anos num ciclo básico com forte conteúdo humanístico. 'Durante esse período, o estudante iria, aos poucos, amadurecendo a sua escolha e ampliando os horizontes', acredita Naomar. O projeto está previsto para sair do papel, na UFBA, em 2008.

 

A proposta não é nova -aliás, é bem velha. Já tinha sido elaborada, nos anos 60, por Anísio Teixeira, um dos maiores educadores brasileiros, influenciado pelo ensino superior dos Estados Unidos, onde estudou. O plano prevê a criação de um 'bacharelado interdisciplinar', igual para todos, por exemplo, de filosofia, antropologia, artes e sociologia. Os alunos poderiam escolher cursos preparatórios para as profissões que escolherem-os que desejassem se tornar médicos passariam por um aulas introdutórias de medicina.

 

Escrevendo assim até parece simples. Mas a engenharia necessária para essa mudança curricular seria monumental. Demandaria um complexo arranjo da grade curricular e redefinições de conteúdo da graduação, do mestrado e do doutorado. Teria de ser montada uma forma de seleção para que, depois de feito esse bacharelado interdisciplinar, os alunos pudessem, enfim, escolher sua faculdade. Todo esse esquema funcionaria, de fato, se as corporações, a exemplo do que já ocorre com a Ordem dos Advogados do Brasil, fossem as principais responsáveis pela certificação profissional.

 

Outra polêmica gigantesca. E se tivéssemos tantos graduados em medicina reprovados como temos em direito? Apesar de todas essas -e de várias outras- dificuldades, é impossível não ver vantagens nessa proposta do Naomar Monteiro, na qual se combina a formação técnica com ampliação do repertório cultural do universitário. E, assim, ajuda-o a se reciclar pelo resto da vida, que é o que importa. A discussão é relevante porque, em todo o mundo, dentro e fora das universidades, são desenvolvidos mecanismos para descobrir, nutrir e atrair talentos. Está em jogo, afinal, a capacidade de uma nação se manter inovadora e competitiva. A China contrata, a peso de ouro, professores universitários dos Estados Unidos. A Índia empanturra alunos de pós-graduação nas melhores faculdades americanas.

 

Países europeus mudam regras para facilitar a chegada de cientistas do Terceiro Mundo. São estimulados parques tecnológicos, unindo academia, centros de pesquisa e empresas de alta tecnologia.

 

Nosso massacre de talentos vai bem mais longe do que os 40% dos matriculados que abandonam as universidades federais, nas quais, não raro, professores se aposentam jovens. Está também no aumento da evasão do ensino médio, onde, nas escolas públicas, apenas 5% têm conhecimento apropriado da língua portuguesa. PS - O pior de tudo é quando nossos cientistas se mudam para os Estados Unidos e a Europa para ter as condições de pesquisa que não encontram no Brasil. É gente criada e nutrida aqui que, por falta de condições, vai melhorar a produtividade de países ricos.


Data: 21/11/2006