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Cientista tem receita para extrair drogas de plantas

Criador de antiinflamatório que dominou mercado diz que política para o setor é pífia. Para João Calixto, faltam especialistas em toxicologia no Brasil e sobram regras que impedem a pesquisa de remédios da biodiversidade

Há mais de uma década mergulhado na biodiversidade brasileira, o farmacologista João Batista Calixto, professor titular de Farmacologia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), tem muitas histórias para contar sobre como derivar um remédio de uma planta.

Ele também conhece de perto os gargalos do setor, que pelo menos na teoria tem um excelente potencial de crescimento.

"Temos uma política de governo mas não de Estado", disse Calixto.

O pesquisador colaborou no desenvolvimento do antiinflamatório Acheflan, da Aché Laboratórios Farmacêuticos, entre vários projetos sigilosos em curso com a indústria farmacêutica, a maioria da área de fitomedicamentos (remédios naturais testados clinicamente).

Lançado há pouco mais de um ano no Brasil, o Acheflan - feito a partir da planta erva-baleeira ou maria-milagrosa (Cordia verbenacea) - já abocanhou 32% do mercado dos antiinflamatórios usados sobre a pele. "Ultrapassou o tradicional Cataflam", diz Calixto.

Uma das únicas opções que sobraram depois da aprovação da Lei de Patentes de 1997 - as empresas farmacêuticas do Brasil não puderam mais copiar produtos de fora - foi pesquisar a biodiversidade nacional.

"A área de medicamentos sintéticos é muito difícil, porque os alvos moleculares necessários são complexos e estão nas mãos das grandes empresas internacionais" explica Calixto. "O risco é muito elevado e os custos, proibitivos."

Nascido em Coromandel (MG) e formado em SP, Calixto chegou em Florianópolis em 1976, para criar um novo grupo de estudos. Durante esse tempo todo, ele vem tentando se virar dentro da chamada relação universidade-empresa.

Apesar de não ser o único, o indicador citado por Calixto, e sempre repetido por especialistas da área de Ciência e Tecnologia mostra como esse relacionamento é pífio.

"No ano de 2005 o Brasil publicou mais de 16 mil trabalhos no exterior e apenas cerca de 300 patentes. A Índia tem o dobro. A Coréia do Sul, então, 20 vezes mais". Isso significa, para ele, que algo está faltando. "No caso, é a interação entre universidade e empresa."

Apesar de a pós-graduação brasileira ter crescido de forma espetacular nos últimos anos -hoje são formados cerca de 10 mil doutores por ano- os produtos finais desse processo são apenas artigos científicos e não patentes ou produtos.

"Falta uma política industrial que dê prioridade para isso. Falta uma cultura na universidade e também nas empresas, que precisam perder o medo de investir, além dos entraves regulatórios, que ainda são enormes".

Para Calixto, a Lei de Inovação, por exemplo, regulamentada em 2005, ainda não teve efeito prático. Mesmo na área da formação de recursos humanos existem problemas.

"Formou-se muito, mas sem prioridade. A área de toxicologia por exemplo, é quase inexistente no Brasil. Não temos treinamento para a área de propriedade intelectual na nossa pós-graduação", explica.

Quando o assunto é a burocracia estatal, todos são lembrados pelo cientista. O CGEN (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético), órgão normativo do governo federal, é um dos alvos.

"Claro que sou a favor de uma regulamentação para remunerar o conhecimento tradicional. Mas não se pode perder três ou quatro anos para chegar a um consenso. Os nossos [países] vizinhos, que têm plantas iguais às nossas, estão saindo na frente."

No seu dia-a-dia, explica Calixto, ele tem de jogar "futebol e voleibol" ao mesmo tempo. Além disso, tanto as regras complicadas da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) quanto a interferência do Ministério Público acabam atravancando a pesquisa.

A primeira atrasa a importação de insumos e de animais. O segundo dificulta a contratação de pessoas pelas fundações das universidades que mantém os contratos com as indústrias.

"De um lado tenho de orientar alunos e publicar artigos. De outro, desenvolver produtos, manter sigilo e os cronogramas. No fundo, você sempre acaba sendo penalizado."

Mesmo assim, e talvez porque o lado científico seja o menos problemático, os projetos no laboratório continuam.

Um é de um calmante, outro para o coração, existem ainda fórmulas para inflamações intestinais, para o combate ao envelhecimento, para o câncer e até para depressão. "Devemos caminhar primeiro onde temos chance de marcar o gol."


Data: 16/11/2006