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Excesso de intimidade pode levar à extinção, artigo de Fernando Reinach

A triste história de bactérias, que, após dedicar sua existência a seus parceiros, acabam sendo trocadas pela outra e, incapazes de viver na solidão, se extinguem

Fernando Reinach - Biólogo, professor titular do Instituto de Química da USP


Seres vivos que dependem um do outro para sobreviver são simbiontes. Na ausência de um, o outro morre. A maneira como esses "casamentos" surgem e se desenvolvem ao longo de milhares de anos é fascinante.

Entre os casos conhecidos, um dos mais bem estudados é a simbiose entre bactérias e insetos. Nos últimos anos os genomas de algumas dessas bactérias foi seqüenciado.

Sua análise conta a triste história dessas bactérias, que, após dedicar sua existência a seus parceiros, acabam sendo trocadas pela outra e, incapazes de viver na solidão, se extinguem.

Os psilídios são um grupo de insetos que vivem de chupar a seiva das plantas. A seiva é o único alimento e, apesar de conter açúcar, não contém todos os aminoácidos que o inseto necessita para sobreviver.

Para obter os aminoácidos, esses insetos contam com a ajuda de bactérias com quem formam uma relação simbiótica. Os insetos fornecem o açúcar que as bactérias necessitam e em troca elas fornecem os aminoácidos.

Nos casos mais simples e primitivos desse tipo de simbiose, as bactérias ficam alojadas no intestino do inseto, mas, nos psilídios, as bactérias convivem de maneira muito mais íntima com seus parceiros.

Esses insetos desenvolveram células especiais chamadas de bacteriócitos, capazes de alojar as bactérias no seu interior. Como as bactérias passam de uma geração de insetos para a outra através dos ovos, faz milhões de anos que o único ambiente que conhecem é o interior de uma célula de inseto.

Quando os cientistas seqüenciaram o genoma de uma dessas bactérias, a Carsonella, descobriram que ela tem um dos menores genomas conhecidos, com somente 182 genes.

A Xylella, uma bactéria que vive no interior das plantas necessita de quase 3 mil genes para sobreviver, enquanto que nós humanos, possuímos mais de 30 mil genes.

Por viver na intimidade de seu parceiro, a Carsonella aos poucos foi eliminando os genes que eram utilizados para sintetizar as moléculas que como simbionte ela pode obter de seu parceiro.

Assim, ela eliminou os genes necessários para sintetizar os componentes do DNA, os genes que produzem sua membrana celular e inclusive os que controlam a entrada e a saída das diversas moléculas, delegando para a célula do inseto a responsabilidade de controlar todo seu ambiente.

Em outras palavras, a Carsonella abriu mão de sua capacidade de sobreviver sem o inseto em troca da intimidade e da proteção oferecida por seu parceiro. Como "pagamento" pela comodidade, ela manteve os genes necessários para produzir os aminoácidos de que o parceiro necessita para viver.

Você deve imaginar que tanta dedicação por parte da Carsonella deveria ser correspondida com igual fidelidade por parte dos insetos. Entretanto, também neste mundo existe a competição.

E os cientistas descobriram bactérias com genomas maiores e mais robustas que penetram nos bacteriócitos dos insetos e acabam por competir com as frágies Carsonellas, que perdem a batalha.

Os cientistas acreditam que, expulsas de seu meio ambiente e sem capacidade de sobreviver fora dos insetos, muitas das Carsonellas acabam se extinguindo. Quanto aos psilídeos, agora munidos de novas parceiras, seguem adiante chupando as plantas.

Mais informações em The 160-kilobasepair genome of the bacterial endosymbiont Carsonella, na Science, volume 314, página 267, de 2006.


Data: 08/11/2006