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Afinal, o que priorizar em educação?, artigo de Wanda Engel

Se pensarmos em metas a curto prazo, o ensino médio passa a ser a grande prioridade

Wanda Engel - Doutora em Educação pela PUC-Rio, superintendente-executiva do Instituto Unibanco, foi ministra de Estado de Assistência Social (1999-2002) e chefe da Divisão de Desenvolvimento Social do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

 

Num momento de grandes dissensos no cenário nacional, talvez um dos únicos consensos seja a crença de que investir em educação é estratégico para o futuro do país. As controvérsias começam, entretanto, no momento da decisão sobre os critérios de prioridade na alocação dos recursos.

Nas últimas décadas, o país vem aumentando substancialmente seus investimentos em educação, e incrementando os recursos alocados no ensino fundamental, apesar de grande parte do financiamento ainda ser destinada ao ensino superior.

Um avanço significativo no aumento da oferta de ensino fundamental foi a criação do Fundef, enquanto, no lado do incentivo à demanda, cresceram de importância os programas de transferência condicionada de renda.

Como conseqüência, o Brasil praticamente universalizou a educação na faixa entre os 7 e 14 anos, com 97% de suas crianças nas escolas. Os problemas de qualidade são flagrantes, apesar de este grau ser o foco de um conjunto significativo de esforços de setores públicos e privados, voltados para seu aperfeiçoamento.

O último censo do Grupo de Institutos e Fundações Empresariais (Gife) revelou que mais da metade dos projetos de seus associados se dirigiam para a educação, prioritariamente para o ensino fundamental.

São programas de capacitação de professores, diminuição da defasagem idade-série, melhoria do desempenho escolar, além de projetos de complementação da escolaridade, por meio de atividades artísticas, culturais e esportivas.

Apesar destes avanços, nossos grandes calcanhares-de-aquiles continuam sendo a educação infantil e o ensino médio. Ainda não nos conscientizamos de que uma criança não nasce aos 6 anos de idade e de que a primeira infância é o período mais importante na formação dos seres humanos.

Nessa fase se formam 75% das sinapses neurológicas e se constroem os fundamentos da nossa representação simbólica do mundo. Estudos mostram que o investimento nesta fase é de grande rentabilidade, sendo a economia posterior, em gastos com educação, saúde e violência, quase 17 vezes maior.

Trata-se de investimento de enorme valor estratégico, mas de retorno a longo prazo. Se pensarmos em metas a curto prazo, o ensino médio passa a ser a grande prioridade.

O que caracteriza nosso país é uma enorme discrepância entre seu estágio de desenvolvimento e o grau de escolaridade de sua população economicamente ativa (PEA).

Enquanto no Brasil somente 14,4% das pessoas completaram o ensino médio, na Índia este porcentual é de 28,2%, na China é de 45,3% e na Coréia do Sul, de 55,2%. Mesmo quando focalizamos nossos vizinhos sul-americanos, encontramos no México 37%; no Chile, 35,7%; e na Argentina, 31,1%.

O que vem ocorrendo no ensino médio é que, do total da população de 10 milhões de jovens entre 15 e 17 anos, somente 4 milhões se encontram neste nível, 1 milhão ainda está no ensino fundamental e, o mais trágico, 5 milhões estão fora da escola.

Nossa concepção curricular não se assemelha nem à comprehensive school americana, em que um currículo flexível permite o acesso quer à universidade, quer ao mercado de trabalho; nem ao sistema dual europeu, que tem escolas diferenciadas para cada uma destas funções.

Enquanto na Grã-Bretanha e na Argentina apenas 30% e 20% do ensino médio era direcionado para a universidade, no Brasil este porcentual chegava a 95%.

Quanto à qualidade desta "preparação para a universidade", basta verificar que o Brasil tem ficado sistematicamente nos últimos lugares nos resultados do Pisa (Programme for International Student Assessment-2000).

Em Matemática, apenas 4,4% dos alunos conseguiram alcançar a média dos países da OCDE e, em Leitura, somente 11%.

As conseqüências deste cenário se mostram fatais tanto para nossos jovens quanto para o futuro do País. Os jovens na faixa de 16 a 24 anos correspondem a 45,5% dos desempregados, apesar de representarem apenas 25% do total da PEA.

O desemprego nesta etapa de vida (31,82%) já é quase o triplo do encontrado na população de 25 anos ou mais e a maior parte destes jovens tem o ensino médio incompleto.

Por outro lado, vem aumentando em nossas regiões metropolitanas o número de jovens que não estudam nem trabalham, paralelamente ao crescimento das atividades marginais e da violência.

Constatamos que boa parte do investimento em políticas públicas para nossa infância é desperdiçada com a morte prematura de jovens, no momento mesmo em que poderiam estar aplicando o capital humano acumulado na geração de riquezas para si próprios e para o País.

Por outro lado, numa economia do conhecimento não há lugar para uma nação cuja população economicamente ativa, em sua esmagadora maioria, não dispõe do passaporte básico para o acesso a um mercado formal e produtivo: a conclusão de um ensino médio de boa qualidade.

Desta forma, vem baixando nosso nível de competitividade global e, entre 1990 e 2004, passamos da 8ª para a 14ª posição dentre as maiores economias do mundo.

Se quisermos reverter esta perigosa derrocada, temos de enfrentar o desafio de incentivar e garantir o acesso, a permanência e o bom desempenho de nossos jovens num ensino médio que ostente padrões de qualidade internacionais, e que seja capaz de oferecer-lhes tanto o caminho da universidade quanto o da qualificação profissional.

Este será o grande desafio dos governadores eleitos, responsáveis diretos pela gestão do ensino médio no país.


Data: 07/11/2006