topo_cabecalho
Brasil deve liderar luta por desarmamento nuclear

Diplomata que em 2003 pediu mais tempo para o Iraque prevê que negociações com norte-coreanos agora serão muito mais duras do que as iniciadas em 1994

O retorno da Coréia do Norte à mesa de negociação é um gesto positivo, mas suas condições para abandonar o desenvolvimento de armas nucleares, agora que já testou mísseis de longo alcance e uma bomba atômica, serão muito mais duras do que na última crise deflagrada por Pyongyang, em 1994.

A previsão é de uma das maiores autoridades do mundo em proliferação nuclear, o diplomata sueco Hans Blix.

Hans Blix ganhou notoriedade como o inspetor de armas da ONU que rejeitou a alegação dos EUA de que o Iraque tinha armas de destruição em massa, justificativa usada para a invasão do país, em 2003.

Segundo ele, para evitar ações unilaterais semelhantes, "potências emergentes" como o Brasil deveriam usar sua influência para mostrar que o desenvolvimento pacífico é possível.

Diretor-geral da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica da ONU) entre 1981 e 1997, Blix veio ao Brasil apresentar um relatório da Comissão de Armas de Destruição em Massa, organização financiada pelo governo sueco, com 60 recomendações para livrar o mundo da ameaça.

Após apresentar o documento no Centro Brasileiro de Relações Internacionais, no Rio, Blix deu a seguinte entrevista.

- Quais as implicações do teste norte-coreano para a proliferação de armas nucleares?

- A curto prazo o perigo está na reação da Coréia do Sul e do Japão a um vizinho que os ameace com armas nucleares. Um Japão com armas nucleares mudaria sensivelmente o equilíbrio estratégico da região, sobretudo com a China.

- Olhando para trás, desde os anos 90, que erros da diplomacia internacional levaram à decisão norte-coreana de explodir a bomba?

- Em 1993 e 1994 houve uma crise muito similar à atual. Começou quando os norte-coreanos anunciaram que haviam reprocessado uma pequena quantidade de plutônio. A solução foi criar um esboço de entendimento, que incluiu todos os ingredientes necessários para uma solução hoje: o compromisso dos EUA de não atacar a Coréia do Norte, a normalização das relações e um generoso apoio econômico, principalmente fornecimento de óleo pesado. Em troca, a Coréia do Norte congelou o trabalho em suas indústrias nucleares.

- Por que o acordo ruiu?

- Ele acabou com o início do governo Bush, que sempre considerou o entendimento imoral, pois recompensava o mau comportamento. Em 2002 os EUA, dizendo ter provas de que a Coréia do Norte estava trabalhando no enriquecimento de urânio, suspenderam o fornecimento de óleo pesado. Os norte-coreanos deram o acordo por encerrado , expulsaram os inspetores da AIEA, reabriram os reatores e recomeçaram a produzir plutônio.

- A Coréia anunciou que aceita voltar a negociar. O que será diferente em relação à última crise? 

- Há uma diferença: a Coréia do Norte testou mísseis e a bomba. A decisão de voltar a negociar é bem-vinda, mas, para recuar, os norte-coreanos exigirão garantias mais sólidas à sua segurança e mais vantagens econômicas. Em minha opinião, as duas deveriam ser concedidas. A prioridade é fazer com que eles recuem. 

- Até a decisão norte-coreana de ontem, era comum a análise de que a influência da China havia sido abalada pelo teste. Qual o papel chinês na crise? 

- Não sou crítico em relação aos chineses. Tenho certeza de que eles estão insatisfeitos com os norte-coreanos, mas a realidade é que sua influência é limitada. Provavelmente menor que a influência dos EUA sobre Israel. A China teme provocar um colapso se cortar o suprimento de petróleo e comida. Isso levaria a uma invasão de refugiados. É arriscado demais pôr o regime norte-coreano numa posição de desespero. Os chineses querem um pouso suave para a Coréia do Norte. Fazer com que siga um rumo semelhante ao Vietnã, que está saindo de um sistema que levou o país ao desastre e à fome e entrando no mundo moderno.

- Sanções podem dar certo?

- A Coréia do Norte, assim como o Iraque de Saddam Hussein, não é suscetível a sanções. No Iraque, as sanções levaram o país à miséria. Saddam não ligava. No caso da Coréia, seu volume de importações e o contato com o mundo exterior são tão pequenos que não será fácil influenciar seu comportamento com sanções, sem o risco de provocar o colapso do país.

- Qual o risco de ela exportar tecnologia e material nucleares a regimes totalitários ou terroristas?

- O risco não é zero, mas o maior medo em relação aos terroristas é o uso de armas químicas, como o que ocorreu no metrô de Tóquio [1995]. Ainda mais provável é um atentado com meios convencionais, como no 11 de Setembro.

- O sr. diz que o Brasil deve assumir seu papel de "potência emergente" para influenciar o desarmamento do mundo. Como essa iniciativa pode ter efeito prático? 

- A reivindicação brasileira de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU é um sintoma de que o país se considera uma das potências mundiais modernas. Eu concordo. O Brasil cresce a um ritmo sólido e tem população e tecnologia para ter um status forte economicamente. Brasil, Japão e Alemanha, três grandes potências que não têm armas nucleares, deveriam dizer ao mundo que é possível ser grande sem elas. Não sei se daria certo, mas é melhor que ficar calado. Não podemos simplesmente olhar passivamente o xerife e seus amigos tentarem impor a paz a seu modo.

- O sr. já disse que a origem de grande parte dos problemas do mundo era a disputa por recursos energéticos. Como promover o uso de fontes alternativas de energia sem correr o risco da proliferação?

- Continuo dizendo que as tensões entre as potências estão ligadas à energia. O Oriente Médio é o melhor exemplo. Se tâmaras fossem o maior produto de exportação do Iraque, não haveria guerra. Se não houvesse gás no mar Cáspio, os EUA não estariam interessados em atrair os países da região para a Otan. Sou a favor de energia nuclear segura. Não é uma contradição. A China teve armas nucleares por muito tempo sem ter energia nuclear. Também é possível ter energia nuclear sem armas atômicas. O Brasil é um exemplo. Energia nuclear e armas atômicas não são gêmeas siamesas.


Data: 01/11/2006