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Pesquisadores voltam a levantar a questão da importação de material científico

Na luta contra a burocracia, eles se unem e levam ao Ministério de C&T propostas para facilitar importação de insumos destinados aos laboratórios de pesquisa

Há anos a novela da ciência brasileira é a mesma. Pesquisadores atolados em papelada e burocracia não conseguem importar material científico e acabam tendo de ou adaptar seus estudos ou criar artimanhas para trazer os insumos necessários.

Agora a categoria resolveu se unir para apontar onde estão os entraves e apresentar propostas de solução ao Ministério da C&T.

Grupo liderado pela geneticista Mayana Zatz, pró-reitora de Pesquisa da USP, entregou documento ao ministro Sérgio Rezende com a compilação de queixas de cerca de cem pesquisadores.

O texto aponta três problemas principais: desconhecimento por parte deles sobre qual o procedimento para importar, custos e impostos elevados e excesso de burocracia, o campeão de queixas.

"Temos cientistas excelentes no Brasil, mas não conseguimos ser competitivos. Se lá fora eles conseguem começar uma pesquisa dias após terem uma idéia, aqui levamos meses, às vezes anos", queixa-se Mayana.

É o que aconteceu, por exemplo, com Gabriela Filoso Barnabé, de 25 anos, que está há três anos tentando trazer 26 ratos geneticamente modificados para sua pesquisa de doutorado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) sobre esclerose lateral amiotrófica.

Os animais já foram pagos (custaram US$ 5 mil), mas até agora, nada. Uma série de greves da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Receita Federal, e outros entraves, impediram que os animais inclusive saíssem dos EUA, onde são produzidos. E a pesquisadora está de mãos atadas.

"Quando eu comecei, pouca gente estudava isso. Agora, várias idéias minhas já foram postas em prática por outros pesquisadores. Isso é um desperdício intelectual", reclama.

Seu orientador, Luiz Eugênio Mello, pró-reitor de Graduação da Unifesp, já teve de explicar no Banco Central por que ele fez a remessa do dinheiro. "Como não recebemos nada, fica parecendo malandragem. A gente tem de acender vela para todos os santos e ainda ficar explicando que não é ladrão."

Para tentar agilizar as importações, Mayana propõe um cadastramento de pesquisadores no CNPq, de modo que quem estiver na lista possa pular etapas burocráticas para trazer os insumos.

"O pesquisador pode se responsabilizar pelo que importa. Só pedimos um voto de confiança." Ela sugere ainda que se crie um carimbo com os dizeres: material de pesquisa, liberar em 48 horas.

"Cada um proíbe de um lado"

As reivindicações dos cientistas estão agora nas mãos de Luiz Antônio Barreto de Castro, secretário de Política e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do MCT, que tem organizado reuniões com os diversos órgãos envolvidos: Anvisa, Receita Federal, Ministério da Agricultura e Ibama.

"A lei 8.010, de 1990, regulamenta as importações, mas ela não levava em consideração situações como vaca louca, gripe aviária, organismos geneticamente modificados. Nem a Anvisa existia. São coisas que surgiram depois e que recrudesceram o processo", explica.

"Hoje não há articulação entre os órgãos, cada um proíbe de um lado. Estamos tentando fazer com que todos conversem na mesma língua."

O ministro Rezende concorda e promete agilidade: "Como não depende de lei, só de portarias, não há nenhuma razão para não resolvermos até dezembro".

Para os pesquisadores, já é um alívio que o MCT esteja afinado com as queixas, mas só boa vontade não basta.

"Precisamos identificar onde está o nó para desatá-lo", afirma Steven Rehen, presidente da Sociedade Brasileira de Neurociências, que organizou um levantamento paralelo ao de Mayana.

Ele passou um questionário a cerca de 50 pesquisadores e concluiu que a maioria (64%) leva no mínimo seis meses para receber os insumos. "Só que nesse intervalo, o reagente pode estragar, as células podem morrer, a máquina pode ficar obsoleta."

Sem contar o dinheiro perdido. Rehen passou por isso. Ele recebeu, via CNPq, uma verba de R$ 40 mil para comprar um equipamento, mas gastou quase R$ 10 mil para conseguir tirá-lo da alfândega.

"O governo me dá dinheiro para a pesquisa, mas pega de volta em forma de impostos e desembaraço. É menos verba para a pesquisa."


Data: 16/10/2006