topo_cabecalho
Latim ganha força e volta a atrair alunos nas Universidades

Aumento da procura na USP foi de 154%; explicação pode estar em filmes e livros recentes

Considerada uma língua morta, o latim ressurge dentro das Universidades do país, atraindo mais estudantes de graduação e, conseqüentemente, gerando um número maior de pesquisadores na área.

Os motivos do aumento do interesse, comprovado pelo maior número de matrículas feitas nas disciplina, ainda não estão bem explicados.

Professores e estudantes arriscam suposições diversas, mas o fato é que ninguém sabe ao certo por que há cada vez mais jovens interessados em aprender a língua de Cícero e Virgílio.

Na Universidade de São Paulo (USP), houve um aumento de 154% no número de alunos matriculados em Latim 1 nos últimos seis anos - de 355 em 2000 para 903 neste ano.

Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o salto foi de 70% em cinco anos.

Nas duas unidades da Universidade Estadual Paulista (Unesp) que oferecem o curso de Letras, no mesmo período, houve 118% de crescimento no número de alunos que se inscreveram para Introdução à Literatura Latina.

Aliás, o próprio nome da disciplina, que enfoca a literatura e não apenas o idioma e é oferecida como matéria optativa para alunos de outros cursos, pode ser uma possível explicação pelo interesse.

'Há cerca de nove anos o Ministério da Educação desobrigou os cursos de Letras a oferecer latim. Esperava-se que fosse cair ainda mais o número de alunos, mas vimos que aconteceu o contrário. A procura aumentou.

Houve uma renovação da metodologia, que passou a ensinar o idioma associado aos textos dos escritores latinos e de toda a cultura do mundo antigo', explica Charlene Miotti (foto), professora da Unicamp e autora de uma dissertação de mestrado que analisa a questão.

'O aluno antes era exposto a uma tabela e a várias regras gramaticais que ele tinha de decorar. Ele não via utilidade e interesse naquilo.

Agora, o curso passa a trabalhar com literatura, com a relação do latim com o português, com as outras línguas. Os alunos vêem esse mundo como mais intrigante', complementa. O interesse aparece não só em São Paulo.

De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), do Ministério da Educação, há mais alunos estudando latim na maior parte das Universidades onde a disciplina é oferecida, como as federais do Rio Grande do Sul (UFRGS), de Juiz de Fora (UFJF) e do Rio (UFRJ).

'Filmes como Tróia e Alexandre, exposições de arte, expressões latinas em filmes, em jogos, em livros como Código Da Vinci. Essas referências do mundo romano e grego sempre voltam.

A democracia, a filosofia e todos os grandes pensadores contemporâneos chegaram na Antiguidade. É um mundo sedutor', afirma Fernando dos Santos, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos.

Ele acredita que uma parte do interesse dos alunos seja despertado por essas citações presentes na indústria cultural, que mostram a cultura romana de maneira mais fácil e, talvez, mais acessível.

Diferenças

Na USP, professores são unânimes em dizer que parte da mudança está relacionada à criação do ciclo básico no curso de Letras, em 1999.

A partir dele, todos os alunos cursam uma disciplina de Introdução aos Estudos Clássicos. 'Passei por esse processo e vejo como o ciclo básico foi determinante na procura pelo latim.

Uma série de colegas de classe, inclusive eu mesmo, decidiu estudar o idioma depois de cursar essa disciplina. Agora, você vê salas cheias', conta Alexandre Agnolon, atualmente pesquisador e professor de Latim da USP.

Na Unesp, os professores se dizem surpreendidos pelo interesse de estudantes de outros cursos, como Direito, História e Psicologia, entre outros.

'Pelo menos nos últimos cinco anos tem aparecido mais gente procurando. Percebo que já existe um interesse prévio', afirma.

Ele é um dos que creditam o ressurgimento do latim nas Universidades a um reflexo da produção da indústria pop, que constantemente 'bebe dessa fonte e procura uma ponte entre o antigo e o moderno'.

A conseqüência, mesmo que em menor escala, aparece na pesquisa e nas publicações mais teóricas na área.

'Quando era adolescente tinha uma curiosidade em relação ao latim, mas entrei no curso pensando em fazer Português.

O que influenciou foi a disciplina de estudos clássicos', conta Fábio Cairolli, formado em Latim e atualmente aluno de mestrado do Programa de Letras Clássicas da USP.

'O latim não tem uma aplicação imediata prática. Latim é um espaço de reflexão, pelo qual você vê uma diferença na maneira de olhar', conta ele, que optou pela carreira acadêmica, uma das opções para quem se forma na área.

A outra seria trabalhar como professor de português. 'Quando entrei no mestrado, não tinha mais ninguém pesquisando o mesmo autor que eu.

Agora, já existem outras pessoas na mesma área. Dá pra observar que mais trabalhos têm sido publicados e há um amadurecimento da pesquisa no Brasil', afirma.


Data: 09/10/2006