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Água está pedindo muita urgência, artigo de Washington Novaes

É grave a crise na área dos recursos hídricos, inclusive nos países ricos

Washington Novaes - Jornalista especializado em meio ambiente



O Rio Amazonas despeja no mar cerca de 130 milhões de litros de água doce por segundo. Com 20 segundos dessa descarga seria possível abastecer cada um dos 10,5 milhões de habitantes da cidade de SP com os 250 litros que cada um consome por dia, em casa (chuveiro, cozinha, sanitários, etc.). Muita água.

Pois a agricultura no mundo consome nada menos que 7,2 quatrilhões de litros por ano, que corresponderiam à descarga do Rio Amazonas durante cerca de 640 dias, quase dois anos.

E esse consumo, quase 75% do uso total de água no mundo, tende a aumentar muito, já que até meados deste século China e Índia, com 40% da população mundial, vão ampliar sua utilização em 80%, de acordo com relatório de 2 mil especialistas reunidos na Semana Internacional da Água, em Estocolmo.

Mas há boas notícias também. Esses mesmos especialistas acham que o uso de água na agricultura pode ser reduzido à metade, se adotadas políticas adequadas.

Na verdade, o uso precisa ser reduzido, já que hoje mais de 1 bilhão de pessoas não têm acesso a água de boa qualidade, mais de 2,5 bilhões não dispõem de saneamento básico, os conflitos se agravam em toda parte.

Outro relatório recente, o da Rede WWF (Worldwide Fund for Nature, o Fundo Mundial para a Natureza), mostra que a crise na área dos recursos hídricos já se estende aos países mais ricos, entre os quais Estados Unidos, Japão, Austrália e os europeus.

E ela se deve a uma junção de fatores, entre eles mudanças climáticas, infra-estruturas inadequadas e má gestão. O relatório, entretanto, não se limita a esses países.

Mostra que China e Índia tendem a enfrentar problemas muito graves, por causa de utilização na agricultura de mais água subterrânea do que as chuvas repõem.

O Brasil também não escapa. Sua agricultura, na qual o uso da água é “mal planejado”, contribui para um quadro preocupante, ainda que o país tenha aprovado um Plano Nacional de Recursos Hídricos que o relatório aponta como um avanço - se chegar à prática.

Porque os problemas não estão apenas na agricultura, estão também no despejo de esgotos sem tratamento nos rios, no desperdício de água, na vulnerabilidade dos mananciais de abastecimento público, nos desmatamentos em áreas de reservatórios, “na precariedade do controle dos órgãos ambientais sobre o uso da água”.

O relatório da Rede WWF entra pelo tema do “uso virtual” de água, cada vez mais freqüente, e que se relaciona com o consumo principalmente na agricultura.

É um tema introduzido pelo relatório de 29 agências da ONU para o Fórum Mundial da Água de 2002 e que, a partir daí, começou a freqüentar as discussões.

O relatório da Rede WWF lembra que para produzir uma batata são necessários 25 litros de água; para um ovo, 135 litros; para um hambúrguer de 150 gramas, 2.400 litros; para o couro de um par de sapatos, 8 mil litros; para o algodão de uma camiseta, 4.100 litros.

Ou 75 litros para um copo de cerveja, 200 para uma taça de vinho, 140 para uma xícara de café, 40 para uma fatia de pão de 30 gramas (90 litros se for acompanhada de uma fatia de queijo).

Tudo isso puxa o raciocínio em duas direções. Primeiro, a de que o consumo de água por pessoa é muitíssimo maior do que se imagina, como já se comentou aqui.

Se se admitir que produzir um quilo de carne bovina pode exigir 15 mil litros de água, uma pessoa que coma 200 gramas dessa carne por dia estará consumindo, só aí, 3 mil litros. Se a eles se adicionarem os cereais, os vários usos domésticos, a água necessária em tudo (combustíveis, materiais etc.), não será exagero dizer que o consumo total do cidadão médio estará acima de 4 mil litros por dia.

Na segunda direção, vai-se entrar nos raciocínios sobre exportação virtual de água que países como o Brasil fazem - embutida principalmente nos cereais e carnes que exporta.

Água que os países industrializados importadores desses produtos preferem economizar em seus territórios - mas que não é valorizada, não tem preço específico.

No Japão, por exemplo, diz o WWF, 65% dos 1.150 metros cúbicos de água consumidos anualmente por um cidadão vêm de fora do país - isto é, 750 mil litros, 2 mil litros diários para cada pessoa.

Esses números podem vir a ter muita importância se os países detentores de recursos e serviços naturais - como o Brasil - conseguirem impor o que os vários relatórios recomendam: uma política de valorização da água, de atribuição de valor, seja para uso interno, seja na exportação.

Esse é um dos caminhos possíveis para uma evolução positiva no panorama dos recursos hídricos - o pagamento pelo uso da água.

Outro caminho está nos investimentos na manutenção das redes de serviços de água, pois custa muitas vezes menos conservar um litro de água do que gerar um litro “novo”, com a construção de barragens, adutoras, estações de tratamento. E a perda média de água nas redes urbanas brasileiras está em torno de 40%.

Outra possibilidade destacada é o fim dos subsídios, inclusive para tarifas de energia elétrica na irrigação. E o uso de equipamentos adequados, que não desperdicem água (como pivôs centrais, por exemplo).

Ainda nessa área, os documentos chamam a atenção para a contaminação progressiva dos mananciais por patógenos, tanto nos confinamentos de gado como na aqüicultura.

E apontam para a eficácia de caminhos que já estão sendo trilhados em algumas partes, principalmente na Europa, como a devolução dos rios a seu curso originário - eliminando barragens, retificações, etc.

Enfim, são muitos caminhos apontados. E todos com a advertência de que não se pode perder tempo.

A crise é grave, inclusive nos países ricos.


Data: 06/10/2006