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Leitor comenta matéria "UFBA substitui vestibular por Enem"

Se o vestibular for substituído pelo Enem, ficaria o aluno excluído definitivamente da possibilidade de fazer um curso superior?

Leia mensagem de Henrique Cerqueira Passos, doutor em Psicologia pela Université Catholique de Louvain, Bélgica:


"Fiz meu mestrado e meu doutorado em psicologia na Bélgica, o que me deu uma importante experiência tanto no nível da interculturalidade quanto no contato com um sistema de ensino diferente do Brasil.

Na Bélgica, também não se faz vestibular. A única seleção, é o fato de o aluno ter sido aprovado no ciclo de estudos secundários, ciclo normalmente chamado de 'Humanités', que é equivalente ao segundo grau brasileiro.

Assim, todo aluno que sai do secundário tem lugar garantido na universidade, sem vestibular.

Tradicionalmente, os dois ou três primeiros anos de ensino superior eram de formação geral, estudando estatística e outras matérias básicas. Este período normalmente é pesado, e um pouco distante do que o aluno espera do curso que escolheu. O maior número de desistências se dá nesse período.

No presente momento, a Bélgica esta se adequando ao esforço de padronização do sistema de ensino na Europa, e seus ciclos de estudo se tornam mais parecidos com os franceses, existindo agora o chamado 'bacalauréat'.

De toda forma, o acesso à universidade continua livre, não havendo seleção alguma, a não ser o diploma de ensino médio, que é exigido.

Na realidade brasileira, sabemos que esse sistema não poderia ser aplicado tal qual, porque a universidade não tem meios de acolher todos os alunos do secundário.

Por isso também foi instituído o sistema de quotas, sistema discutível, mas que pelo menos tenta, de forma emergencial, dar acesso à universidade às camadas da população normalmente excluídas do ensino superior.

Substituir o vestibular pelo Enem parece uma alternativa tentadora. Mas isso coloca também um problema, que não existia antes. Antes, se alguém não era aprovado no exame vestibular, ele podia se meter nos estudos por mais um ano, e tentar novamente.

Se o vestibular for substituído pelo Enem, ficaria o aluno excluído definitivamente da possibilidade de fazer um curso superior?

Essa questão precisa ser tomada em consideração. Se o jovem adulto ainda é capaz de aprendizado, porque deveria ele ser excluído da possibilidade de, com seu trabalho, aceder aos estudos superiores?

Tive ao menos dois exemplos concretos em minha vida:

Um professor de curso de preparação para vestibular costumava contar de suas origens humildes. Ele estudou em escola publica de baixo nível de ensino, e conseguiu superar seu despreparo através de seu esforço pessoal. Estudou tanto naquela época, que na rua, às vezes, cansado, dava de cara com o poste, que não havia visto.

Outro exemplo é o de minha irmã. Ela fez seu curso secundário em uma escola publica de bom nível de ensino. No entanto, não foi aprovada no concorrido vestibular de medicina na UFMG, e não conseguiu entrar por algo como meio ponto a menos que o ultimo colocado.

Fez cursinho por mais um ano, e foi aprovada no vestibular. Ela é médica sanitarista e homeopata, trabalha há muitos anos para a municipalidade de Santos.

Assim, sem diminuir o avanço que significaria a proposta de substituir o vestibular pelo Enem, é importante pensar mecanismos - ou mesmo toda outra dinâmica - para que o acesso à universidade se abra a uma parcela maior da população.

Outra questão, controversa, é a necessidade de mais diplomados em nível superior. Em que número e em que áreas são necessários?

Volto à comparação com a Bélgica. Naquele país, forma-se um número muito maior de diplomados de nível superior do que a realidade profissional poderia absorver.

Existe, paradoxalmente, uma falta de técnicos, que encontram emprego muito mais facilmente do que diplomados em nível superior.

Valeria planejar a educação para cada região brasileira segundo as possibilidades de inserção profissional condicionadas pelas necessidades, estimadas para o futuro, a médio e longo prazo.

Até agora, o foco esta sendo dado à remediação de uma situação de injustiça social que se reflete nas condições de acesso aos estudos superiores.

No entanto, seria importante pensarem-se também as necessidades de uma formação técnica de qualidade, que constituiria também um meio de inserção profissional e de promoção social.


Data: 22/09/2006