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Gero Hillmer, no tempo dos pterossauros

"Com os fósseis de Santana dando uma contribuição decisiva em apoio à evolução de Darwin, torna-se possível promover de maneira convincente a conscientização científica das pessoas", afirma o pesquisador

Gero Hillmer, que nasceu em 1936, é professor emérito de Geologia e Paleontologia na Universidade de Hamburgo. Realizou viagens de pesquisas na Ásia, Alasca, África e outros países.

Escreveu várias obras sobre Geologia e Paleontologia, tendo assessorado também documentários sobre Geociências. Professor honoris causa da Urca, Crato, Brasil, desde 2005. A seguir, a entrevista concedida por Gero Hillmer à Dra. Ingrid Schwamborn, também tradutora dos textos.

- Há quanto tempo o senhor vem se ocupando com a Bacia do Araripe no Ceará?

Gero Hillmer - No ano 2000, fui consultor de um documentário austríaco-alemão (ORF-ZdF), denominado O Amazonas Primordial - um rio vindo do deserto? Por essa época nós também viemos para o Brasil, para Salvador da Bahia e Santana do Cariri, onde pudemos colher provas paleontológicas convincentes da deriva dos continentes. Mais tarde, no âmbito de um novo projeto, eu voltei por várias vezes ao Ceará, como consultor universitário (BMZ-DAAD), a convite da Secretaria de Ciência e Tecnologia em Fortaleza (Dr. Hélio Barros) e da Universidade Regional do Cariri (Prof. Dr. André Herzog Cardoso, Urca). O objetivo do projeto é o melhoramento e a ampliação do Museu de Paleontologia da Universidade, a atualização dos currículos de geografia e biologia da Urca, bem como a instalação de um geoparque nacional, com apoio da Unesco.

- Em que consiste a importância especial da "Chapada do Araripe", e com ela do Araripe Geopark?

Gero Hillmer - A Chapada do Araripe tem uns 8 mil km2 de superfície. Trata-se de um planalto com altitude média de 600 m, no sudoeste do Estado do Ceará. Nesta região geológica se depositaram sedimentos do cretáceo (uns 150 a 70 milhões de anos atrás). Nestes diversos sedimentos são encontrados: fósseis de peixes, crustáceos, tartarugas, rãs, insetos, sáurios da terra e do ar, únicos no mundo inteiro, bem como maravilhosas plantas fósseis. Não tem paralelos a variedade desses fósseis, como também seu estado de conservação nos mínimos detalhes em que foram conservadas até mesmo as partes moles (como a pele de vôo de sáurios e o conteúdo estomacal). Um exemplo particularmente belo é oferecido por uma libélula fóssil, símbolo do Museu de Paleontologia de Santana do Cariri (16 mil habitantes). Esta pequena cidade chegou mesmo a dar nome a uma formação geológica, a Formação Santana (Santana Formation). Além dos sedimentos do cretáceo, também ocorrem depósitos jurássicos mais antigos, com troncos fósseis de árvores na região da cidade de Missão Velha. A base granítica da bacia do Araripe é encontrada, por exemplo, em Juazeiro do Norte. Além desses importantes sítios geológicos e paleontológicos, encontramos também sítios arqueológicos que atestam uma ocupação humana no período neolítico (utensílios de pedra, cerâmica, pinturas rupestres, já com 5 a 7 mil anos).

- A primeira reprodução de um fóssil do Cariri foi apresentada pelos naturalistas alemães Spix e Martius, no Atlas que acompanha os três volumes de sua Viagem ao Brasil (Reise in Brasilien) (1823-1831). Onde se encontra hoje este peixe fóssil?

Gero Hillmer - A convite da Arquiduquesa Leopoldina da Áustria, primeira Imperatriz do Brasil, os dois naturalistas alemães da Academia de Ciências da Baviera, Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius, exploraram entre 1817 e 1820, o enorme país do Brasil, até então interdito aos não-portugueses. Em 1819, o Governador Geral da Província do Ceará enviou-lhes um peixe fóssil. Tratava-se provavelmente da espécie que mais tarde foi descrita como Rhacolepis buccalis, pertencente a uma coleção maior. Eles o reproduziram em seu valioso "Atlas" para a "Viagem ao Brasil". Os cientistas alemães repassaram este peixe fóssil ao pesquisador escocês George Gardener, que também viajou ao Brasil, e está desde então desaparecido. Em 1841 e 1844 alguns dos peixes de Santana foram classificados e descritos pelo naturalista e ictiólogo suíço Louis Agassiz, entre eles o peixe reproduzido por Spix e Martius. (Aliás, Gardener, em sua "Viagem ao interior do Brasil", de 1838, também fez uma memorável visita a Crato, onde se encontrou com membros hoje célebres da família Alencar, entre outros com José de Alencar, então com 9 anos de idade. (Nota de I.S.)

- No século 19, foram sobretudo estudiosos da França e da Inglaterra que se ocuparam com os fósseis do Cariri. Qual é a situação da pesquisa sobre esta região nos dias de hoje?

Gero Hillmer - Depois das monografias básicas sobre os Fósseis de Santana (Maisey, 1991) e de uma descrição geológico-paleontológica da Bacia do Araripe pelo estudioso inglês David Martill (1993), hoje a linha de frente do estudo dos insetos e plantas, assim como dos pterossauros, está em mãos de cientistas alemães, em estreita colaboração com colegas do Brasil (G. Bechly, 1988, E. Frey, 1994, Kellner, Rio de Janeiro, 1984, Mohr, Berlim/Oliveira, São Paulo, 2000). Uma excelente tese de doutorado sobre a geologia e paleontologia da Bacia do Araripe foi apresentada à Universidade de São Paulo por Alexandre M. Feitosa Sales (2005), que neste ano foi nomeado Diretor do Museu de Paleontologia em Santana do Cariri.

- Que contribuição a pesquisa dos fósseis de Santana pode dar para a disputa do "darwinismo" e do "criacionismo"?

Gero Hillmer - Ao lado de muitos outros documentos fósseis na história da Terra, os Fósseis de Santana dão uma contribuição importante para a teoria da evolução de Darwin, que em conexão com a pesquisa genética mostra o ritmo dos acontecimentos na evolução biológica. A grande idéia da evolução dos organismos, de Darwin, está hoje solidamente confirmada pelas descobertas de fósseis e pelas análises da herança genética. Porém, 150 anos depois de Darwin, difunde-se, sobretudo na América do Norte, um embate cultural que tenta desmontar esses conhecimentos através dos assim chamados "criacionistas". No criacionismo um "desenhista inteligente" demonstraria a contribuição divina na evolução. Com os fósseis de Santana dando uma contribuição decisiva em apoio à evolução de Darwin, torna-se possível promover de maneira convincente a conscientização científica das pessoas. Mas apesar de todos os conhecimentos científicos, permanece uma necessidade humana de "fé", crescentemente respondida, entre outras, na cidade de Juazeiro do Norte, vizinha a Crato (2 milhões de peregrinos por ano ao túmulo do milagroso Padre Cícero, 1844-1934).

- Nestes últimos meses, o projeto do Araripe Geopark ocupou bastante espaço na imprensa e televisão do Ceará. Este grande interesse constituiu uma surpresa para o senhor?

Gero Hillmer - A atenção que os preparativos para o Araripe Geopark despertaram no Brasil realmente constituiu uma surpresa para mim. Assim recebi um convite do secretário da Ciência, Tecnologia e Educação Superior do governo do Ceará, em Fortaleza, para em março de 2005 apresentar o projeto na Assembléia Legislativa do Estado. Várias vezes fui recebido pelo governador e solicitado a dar entrevistas na televisão. Mas logo entendi também que aos olhos dos parceiros do Brasil a importância do geoparque vai muito além dos aspectos científicos, pois são esperados efeitos concretos para melhorar a situação econômica e social da região do Cariri.


Data: 21/09/2006