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O ovo de dinossauro e as ondas quânticas, artigo de Fernando Reinach

A ciência responde à curiosidade natural do ser humano. Mas nada impede que ela também gere riqueza

Fernando Reinach - Biólogo, diretor executivo da Votorantim Novos Negócios e professor da USP. Foi presidente da CTNBio e secretário de Desenvolvimento Científico do MCT.

 

Até 1850 a ciência era financiada por indivíduos, reis ou pessoas ricas - uma atividade individual. (O naturalista inglês e autor da teoria que explica a evolução das espécies, Charles) Darwin, por exemplo, não tinha bolsa do CNPq, fez a pesquisa praticamente com o dinheiro da sua família.

De um tempo para cá a ciência passou a ser financiada pelo Estado. Isso aumentou a quantidade de ciência acadêmica. E, financiada pelo Estado, ela passou a ser financiada por toda a população.

Por que uma sociedade vai financiar a ciência? O que espera desses investimentos? Por que vale a pena?

Há várias razões. Uma, intrínseca, é que a ciência estende a curiosidade natural do ser humano. Por exemplo: o fascínio por dinossauros. Saber como era o ovo de um dinossauro, se ele sentava ou não em cima do ovo, o que fazia, a ciência dá essas respostas.

As pessoas antigamente perguntavam: o que há do outro lado da lua, o que são esses pontinhos? As descobertas dos astrólogos satisfazem as pessoas. Há esse papel importante, que justifica parte do investimento - e claramente a sociedade gosta dos resultados.

Outra parte importante é que quando o financiamento começou a ser feito pelo Estado reconheceu-se que geração de conhecimento científico gera riqueza.

Isso ocorre em duas vertentes principais: no desenvolvimento tecnológico de produtos e serviços e também na geração de educação. Num ambiente onde a ciência é desenvolvida a educação é melhor.

E, provavelmente mais do que os dinossauros, essas duas vertentes são a razão pela qual se acredita que inovação em ciência é tão importante para o desenvolvimento dos países.

Até o começo do século 20, a ciência dava respostas que atraíam e satisfaziam muito mais a curiosidade das pessoas.

Foi assim que avançou sobre as outras crenças, sobre a religião: tomando espaço e explicando como funciona o coração, o rim, como o dinossauro existiu. As sociedades desenvolvidas ainda têm uma fascinação grande por esses temas.

O problema é que as coisas que a ciência está estudando hoje são cada vez mais difíceis de as pessoas entenderem. Cria-se um distanciamento complicado e um desafio enorme.

Não se encontra alguém na rua que peça para explicar geometria de não sei quantas dimensões. É preciso gerar interesse na população pelos problemas que estamos estudando.

É preciso falar que existe essa geometria, mostrar que é interessante e explicar o que se descobriu. Essas etapas não existiam antes. E num país mal educado como o Brasil, a dificuldade é enorme.

Mais recentemente, outras fontes de informação começaram a competir por esse espaço, como as seitas, as explicações esotéricas e não-científicas.

E no lugar de entender as ondas quânticas, algo supercomplicado, vem um sujeito e diz que a felicidade é dada pelo alinhamento de não sei o quê. As pessoas acham isso legal e acreditam. Isso tira espaço da ciência.

Nos países desenvolvidos o reconhecimento da população de que a ciência gera resultados é absolutamente claro. Isso explica por que nos Estados Unidos o orçamento de pesquisa do National Institute of Research nunca foi cortado, ele só cresce, cresce, cresce.

Grande parte da população sabe que aquele remédio que está tomando, que aquela panela onde o ovo não gruda, que o i-Pod e tantas outras coisas vieram da ciência.

No Brasil, ao contrário, há poucos exemplos de uma riqueza gerada claramente pela ciência. E, mesmo assim, nem sempre a população os reconhece.

Por quê? Porque grande parte das tecnologias que a gente consome são importadas. O americano vê o i-Pod e pensa na Apple, provavelmente tem um primo que trabalha lá.

O brasileiro pensa: por que eu vou pagar para ter ciência, se posso ter essa riqueza comprando de fora? Também não percebe que as universidades que fazem pesquisa são melhores. Por que a USP é boa? Acredita-se que a razão são os bons professores.

O nosso presidente prefere explicar as coisas com analogias de futebol do que com qualquer racionalidade científica e as pessoas que obtêm riqueza são as que roubam no Congresso.

Quantos exemplos você tem de pessoas que desenvolveram novos produtos no Brasil e são modelos para a população? Sou um pouco pessimista. Veja o exemplo do etanol.

Agora que o Brasil vira o grande centro de produção de etanol no mundo o governo já não sabe mais se gosta. Metade dele já está preocupado que os estrangeiros estão comprando terra no Brasil, aí começa a se falar na cana como monocultura e de repente há conflitos políticos em volta dessa chance enorme.

As pesquisas mais avançadas da Embrapa, que são com plantas estrangeiras estão bloqueadas.

Nesse espaço, que deveria ser científico, começa a se falar que transgênico faz mal para a saúde. E daí a outra área, que é esse neo-obscurantismo, começa a invadir.

O futuro da ciência no Brasil e quanto ela vai conseguir contribuir para o progresso do país depende de uma batalha nessas duas frentes.

Não é fácil e acho que a ciência está sendo mais cerceada do que se expande. É minha impressão".


Data: 20/09/2006