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Ciência e Tecnologia Agropecuárias: Tema sobre o qual todos precisamos aprender, artigo de Carlos Roberto Spehar

A população em geral precisa conhecer e respeitar o agricultor como se faz com os demais profissionais

Carlos Roberto Spehar - Pesquisador da Embrapa Cerrados



Desde que nos envolvemos com pesquisa, isto é, mais da metade de nossa vida até o momento, temos nos deparado com esse tema. Temos tentado fazer ciência, com vistas à tecnologia que dela possa se originar.

Se tivermos sido vitoriosos nessa empreitada é uma história para outra oportunidade, que alguém isento de tendência poderá contar.

Essa dedicação tem como norte oferecer tecnologia que contribua à viabilização de sistemas agrícolas, independente de serem eles conduzidos por grandes agricultores ou na iniciativa familiar.

A propósito, quando se adentra o ambiente sócio-econômico, percebe-se que não há uma definição clara de qual seja a diferença.

Daí, as condições para que se enquadrem agricultores na categoria de familiares tenham sido de escala econômica. Esquece-se, nessa abordagem a necessidade de conhecer o negócio, que, por sua vez, depende de treinamento, quase inexistente.

Conhecemos agricultores que cultivam desde poucos hectares de terra até os que manejam alguns milhares. Em ambas as situações, vivem com suas famílias e trabalham na propriedade, administrando diretamente o seu negócio.

Independente de escala têm oportunidades e ameaças que devem ser conhecidas. Existe, entretanto, um ponto em comum: Todos dependem do acesso e da aplicação de tecnologia.

O sistema disponível supõe que agrônomos, veterinários, zootecnistas e outros profissionais lhes passem conhecimento e tecnologia, mediante compensação financeira.

Por influências externas, outrora se tinham, sob a tutela do estado, as Associações de Crédito e Assistência Rural, substituídas por empresas e finalmente agências.

Estas têm mudado personalidade jurídica e passado por contínuo sucateamento, deixando de cumprir o papel que, em fases decisivas, é preponderante.

Essa perda tem resultado em crescente ineficiência na agropecuária, pois a tecnologia deixa de assimilada pelos agricultores, principalmente os que não podem pagar por assistência.

Em nossa tentativa de contribuir na geração e fazer chegar tecnologia aos usuários percebemos a universalidade da mesma. Segundo nosso ponto de vista, é aplicável ao grande e ao pequeno agricultor indistintamente, com os devidos ajustes.

O problema de falta de resposta é mais relacionado a deficiências na educação formal, aquele treinamento que dá o poder de decidir, embasado em conhecimento que depende de tecnologia que se origina da ciência.

Na verdade esse é mais um exemplo de que educação é a saída para os males do Brasil. Muitos sabem e pouco se faz.

Em nossa experiência curricular, como professor colaborador, temos enfocado sistemas integrados de produção, procurando demonstrar que os problemas se resolvem com estratégias e estas dependem de uma base de conhecimento associada à imaginação.

Se os agricultores tivessem uma formação escolar voltada aos seus interesses, como existe nos outros setores da economia, aí o cenário mudaria.

Podemos sintetizar a percepção do problema, formulando a seguinte questão: Por que alguns agricultores têm domínio sobre as técnicas de cultivo, obtendo rendimentos econômicos enquanto outros falham, nas mesmas condições?

A resposta a essa questão começa com outra pergunta. Quando falham, sabem o porque? As respostas estão na dependência da visão de conjunto, que lhes falta. Menciono, nas discussões que o primeiro passo na solução de um problema é saber diagnosticar, entender o que acontece nos processos biológicos, que são complexos.

E isso se faz de forma sistemática. Assim como quando se visita um médico, buscando solução a um problema. Se não há informação prévia, ou mesmo que haja, porém desatualizada, o profissional recomenda um exame clínico (sangue, fezes e urina), para começar.

Este, para ser eficaz, requer a observação de certas condições, como, por exemplo, estar em jejum, não haver comido isto ou feito aquilo. Daí, por etapas, chega-se ao diagnóstico, primeiro passo para decidir o que fazer.

Na agricultura não é diferente. Antes do plantio, recomenda-se fazer análise do solo, que obedece a critérios, como amostragem por talhões com características diferentes de solo, topografia, histórico do uso.

Há ciência por trás dessas ações, donde surgem as técnicas. Esse é o ponto de partida que é igual para agricultores grandes ou pequenos.

O próximo passo é como fazer uso da informação. Isso requer conhecimento de como o solo funciona, pelo menos o essencial para decidir sobre os próximos.

Novamente, não é a escala que determina, mas, o treinamento que confere ao agricultor a capacidade de enxergar e decidir pela opção adequada às suas necessidades.

O preparo do agricultor depende de vários níveis que vão desde o diagnóstico para a percepção do cenário, até a decisão do que cultivar. A exigência nutricional das plantas e a expectativa de rendimento; as fontes de nutrientes e como aplicá-las são os passos seguintes. Quando cria animais domésticos, tem-se mais um nível de complexidade a depender de ciência e tecnologia.

Na perspectiva de mercado é que escala faz a diferença. Agricultores, grandes ou pequenos, devem estar voltados à maximização de retornos por unidade de insumo.

O familiar, em pequena escala, deve focar-se na agregação de valor aos seus produtos para gerar prosperidade. Ambos os objetivos precisam de estratégias para ser atingidos e elas dependem do treinamento.

Agregar, neste caso significa transformar matéria prima (grão, silagem) em produto de maior valor. Não é prerrogativa ao pequeno agricultor apenas e sim uma oportunidade de emprego da mão-de-obra familiar, valorizando-a.

Em suma, percebe-se que o cenário agropecuário é semelhante a um grande jogo de quebra-cabeças, com inúmeras peças, aonde cada uma vai compondo a imagem do todo. Este é revestido de uma complexidade que se desvenda com treinamento.

Portanto, para encurtar a história, o pesquisador contribui para o avanço da ciência e enxerga a diferença no uso da tecnologia que ajuda a gerar.

Imaginar que seja o único modificador da realidade é atribuir-lhe uma responsabilidade que, no mínimo, deveria ser compartilhada com os demais agentes do desenvolvimento.

Ao nosso ver, são necessárias políticas públicas que dêem treinamento profissional a agricultores, desde o ensino básico, ajudando-os a se organizar em associações, tirando-os do empirismo que afeta a todos. Este induz à falsa sensação de que plantar é coisa fácil que qualquer um faz e não exige ciência.

Aí é que reside o engano. A população em geral precisa conhecer e respeitar o agricultor como se faz com os demais profissionais.

Para continuarmos na tentativa de fazer ciência, gerar tecnologia, que aplicada resulta em ganhos sociais e econômicos, é necessário fortalecer os agricultores, pilares que sustentam a sociedade.

Caso contrário, fica a sensação frustrante de que informação valiosa, cara, estratégica e geradora de tecnologia esteja dormindo sob o pó de prateleiras.


Data: 20/09/2006