topo_cabecalho
A avalanche tecnológica e o desmanche do país, artigo de Laymert Garcia dos Santos

Como e para que ter uma estratégia política para a ciência e a tecnologia, se o Brasil anda na contramão do desenvolvimento?


Laymert Garcia dos Santos - Professor do Depto. de Sociologia da Unicamp

 

 


O título deste debate - Ciência e Tecnologia: Opções para o Futuro - faz pensar. Não quero ser desmancha-prazer. Mas não podemos nos dar ao luxo da escolha.

Não estamos na Escandinávia, onde as autoridades promovem discussões de fundo entre cientistas, tecnólogos e amostras representativas da sociedade civil antes de ser tomada uma decisão que tem implicações para a sociedade como um todo.

No Brasil, nossa margem de escolha é mínima, até porque nem existe mais a sociedade "como um todo", se pensarmos nas palavras de Roberto Schwarz, segundo as quais nos inserimos na ordem contemporânea como um ex-país, ou semi-país, ou região.

Com efeito, desde o início dos anos 90, abandonamos qualquer veleidade de um projeto de desenvolvimento para o País e aceitamos que doravante nosso projeto era não ter projeto. Sem projeto algum, como e para quê ter uma estratégia política para a ciência e a tecnologia?

O problema nem é querer, ou não querer, ter uma estratégia efetiva - o problema é poder. E não podemos tê-la por falta de condições. O Brasil não cresce há um quarto de século, e é sensato ponderarmos que temos à frente um horizonte negativo.

Muitos fatores contribuíram para isso. Entretanto, há um que merece ser destacado: foi o levantado por Robert Kurz em seu livro O colapso da modernização.

Segundo o sociólogo alemão, a globalização do capital e a terceira revolução industrial transformaram a ciência na principal força produtiva do capitalismo, tornando inviável a modernização recuperadora dos países do Terceiro e do Segundo Mundos.

Isso significa que perdemos o pé a partir da década de 70 - e que não há mais como "chegar lá".

Nossa participação no mercado mundial como fornecedores de matérias-primas e produtos agrícolas é expressiva, mas continuamos patinando em termos de invenção e inovação: no cômputo global, a contribuição das patentes brasileiras não chega a 1%.

E apesar dos esforços da comunidade científica, das universidades públicas e das agências de fomento; apesar de uma legislação favorável à inovação e à propriedade intelectual; apesar de uma consciência crescente da importância da relação biotecnologia-biodiversidade e do caráter estratégico da Amazônia; apesar da inclusão digital, não podemos afirmar que vivemos numa sociedade do conhecimento, nem que a tecnociência é o motor de nossas forças produtivas.

Somos lentos demais, e sequer atinamos que papel nos foi reservado num mundo em que está em curso a implementação de uma estratégia de aceleração econômica e tecnológica.

Tal estratégia não tem rosto nem pátria; mas sabemos que um dos principais fatores que nutrem a sua dinâmica é o que os especialistas denominam "avalanche tecnológica".

Vejamos como Konstantinos Karachalios, figura de proa do grupo de 'construtores de cenários' que estuda o futuro no Escritório Europeu de Patentes, define a questão: se você considerar o progresso tecnológico realizado no ano 2000 como uma "unidade de tempo tecnológico", então calcula-se que o século 20 teve, ao todo, 16 dessas unidades.

Todo o século 20 é equivalente a apenas 16 anos do progresso tecnológico medido pelo ano 2000! Levando em conta esse efeito de aceleração, você poderia imaginar quantas unidades de tempo tecnológico nós e nossos filhos vamos experienciar durante o século 21?

Aparentemente, haverá mais do que 100, mas você pode imaginar quanto? Bem, se você simplesmente extrapolar a tendência atual, assumindo que não ocorrerão desastres em larga escala e a longo prazo, pode ser que tenhamos que lidar com um progresso tecnológico equivalente a 25 mil anos dentro de duas gerações.

A questão levantada por Karachalios a respeito do sentido da avalanche tecnológica para o humano ultrapassa muito o escopo de nossa questão inicial, que se referia às possíveis opções científicas e tecnológicas para o futuro do Brasil.

Mas me pergunto: como pensar uma estratégia tecnológica sem considerar, por um lado, o desmanche do país e, por outro, a estratégia da aceleração total?


Data: 19/09/2006