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Cabra transgênica gera 1º remédio

Agente anticoagulante é produzido com leite de cabras cujo DNA foi modificado para incorporar genes humanos

Daqui a cerca de nove meses, chegará ao mercado o primeiro remédio do mundo produzido a partir de animais alterados geneticamente.

A Agência Européia de Medicina aprovou o ATryn, droga desenvolvida pela americana GTC Bhioterapeutics a partir de cabras transgênicas.

O remédio será vendido na Grã-Bretanha e na Europa a partir de meados de 2007.

O remédio pioneiro, um agente anticoagulante para pessoas com uma doença genética rara - a deficiência antitrombina hereditária, que os torna vulneráveis à trombose - é produzido com leite de cabras cujo DNA foi modificado para incorporar genes humanos.

'Este processo tem potencial para revolucionar o setor farmacêutico', diz Tom Newberry, porta-voz da GTC.

O ATryn estabelece um precedente no uso de proteínas animais modificadas e, apesar de protestos das organizações de defesa dos animais, a tecnologia seguramente deve decolar.

A produção de biorreatores é uma das áreas de fronteira da biotecnologia - combinando, em muitos casos, técnicas de transgenia e clonagem.

A idéia é transformar os animais em fábricas vivas de moléculas terapêuticas que hoje só podem ser produzidas em grandes instalações ou por métodos mais complicados de cultivo.

As empresas farmacêuticas há muito tempo suspeitavam que lucrariam com essa transformação de animais submetidos a alteração genética em 'fábricas' farmacêuticas, processo conhecido como 'pharming'.

Na teoria, animais podem ser usados na produção de insulina para diabéticos, fator coagulante para tratar hemofílicos e uma série de outras proteínas.

O pharming pode se tornar essencial para o setor farmacêutico se os custos realmente caírem muito abaixo dos registrados nos sistemas de produção atuais.

Frangos, vacas e coelhos já estão sendo testados. Vários projetos estão em andamento no mundo, envolvendo principalmente caprinos e bovinos.

Pesquisas no Brasil

No Brasil, cientistas da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia estão tentando criar vacas clonadas transgênicas com o gene humano do fator 9 de coagulação do sangue, usado no tratamento de hemofílicos.

Nesse caso, em vez de injetar o gene em embriões, os cientistas produzem a modificação genética em células de vacas adultas in vitro, que depois são usadas no processo de transferência nuclear para produzir embriões clonados.

A técnica também já foi testada com sucesso em camundongos.

Pesquisadores da Universidade Estadual do Ceará (UECE) estão criando cabras transgênicas que produzam em seu leite cópias de uma proteína humana usada por pacientes com sistema imunológico debilitado.

Outras infecções

Os métodos convencionais de criação de proteínas no sangue - como insulina, desenvolvimento de hormônios e extração de antitrombina de sangue e tecidos humanos doados - são vulneráveis à infecção.

Milhares de hemofílicos contraíram o HIV, o vírus da aids, ao receberem fatores coagulantes de doadores infectados.

Na década de 80, escândalos deste tipo levaram às primeiras tentativas de criação de biorreatores.

A GTC criou sua primeira cabra transgênica há 15 anos. Outra empresa de biotecnologia, a holandesa Pharming, está perto de lançar seu primeiro medicamento gerado por animais transgênicos no mercado, o Rhucin, para tratamento de angioedema (inchaço similar à urticária, porém abaixo da pele).

O lançamento da nova geração de medicamentos também causou protestos contra o uso de animais como biofábricas.

'Isso representa um passo a mais na transformação dos animais em simples commodities, sem maior consideração por seu valor intrínseco como seres dotados de sensações', reclamou a Genewatch, um grupo de ativistas que supervisiona os rumos da engenharia genética.

Pesquisa no país está avançada

Caso o gene tenha sido incorporado com sucesso pelos embriões, as cabras passarão a produzir a proteína humana no leite

Em pesquisa desenvolvida pela Universidade Estadual do Ceará, nove cabritos ainda no estágio embrionário, logo após a fertilização, receberam uma injeção de DNA contendo o gene humano da proteína G-CSF (fator de estimulação de colônias de granulócitos), usada para estimular a produção de glóbulos brancos e recrutar células-tronco da medula óssea.

A proteína é empregada no tratamento de pacientes com sistema imunológico debilitado.

Caso o gene tenha sido incorporado com sucesso pelos embriões, as cabras passarão a produzir a proteína humana no leite.

A molécula poderia, então, ser purificada e usada na produção da droga, que hoje precisa ser importada.

É possível obter até 10 gramas de proteína por litro de leite, o que significa que com um pequeno rebanho é possível suprir toda a demanda do país por G-CSF.

A tecnologia foi desenvolvida inicialmente em camundongos, em parceria com um grupo de cientistas russos que passaram sete anos no Instituto de Biofísica da UFRJ.


Data: 19/09/2006