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DNA Brasil, em São José dos Campos: desigualdade e mais educação exigem pressa

Cinqüenta brasileiros de diferentes especialidades e mais seis representantes do Brasil Real discutiram durante dois dias idéias para um país do futuro

O Brasil é diverso: as clivagens ideológicas, sociais, culturais e regionais são reais e as divergências, profundas. Existem, no entanto, alguns consensos, um deles em especial: a desigual sociedade brasileira tem pressa.

Principalmente pressa de crescer e distribuir renda e de universalizar uma educação com "e" maiúsculo, entendida como aquela que não apenas dá conhecimento técnico ao brasileiro para que ele se insira no mercado de trabalho do Brasil moderno, como a que confere ao conhecimento conteúdo crítico, capaz de transformar a ação de cada um, rico ou pobre, em cidadania.

Faz
parte da pressa a demanda por uma reforma política, capaz de dotar os segmentos sociais de uma representação política melhor e de dar condições de maior controle sobre ela.

Ao final de dois dias de trabalho, a síntese da reunião anual do DNA Brasil pode ser essa.

A terceira rodada do DNA Brasil, que reuniu em Campos do Jordão 50 brasileiros, em diversas áreas de especialidade - seis deles representantes de outro fórum do instituto, o Brasil Real, que reuniu no ano passado para discutir o Brasil 50 brasileiros "comuns" - teve um grau de divergência incomum em relação aos anos anteriores.

Na primeira reunião, em 2004, foi proposta uma discussão em torno do que se desejava para o país daqui a 50 anos; no ano passado, a reunião foi centrada no tema corrupção. Este ano, o instituto propôs aos presentes o tema "Idéias para um país do futuro".

O objetivo do Instituto DNA Brasil é atuar como uma espécie de "think thank" plural para pensar o futuro do país.

Com a inspiração das três letras de seu nome, este ano foi proposta a discussão em torno da letra "d", de dinamismo, "n", de neurônios - que incluiu educação, ciência, tecnologia e informação - e "a", de acesso, que comportaria idéias para a redução da desigualdade.

Na letra "d", de dinamismo, podem ter ocorrido as maiores convergências e divergências. Entre os economistas que se distribuíram entre cinco salas temáticas, a convergência foi a de que qualquer vocação de crescimento esbarra na questão do câmbio e dos juros.

O ex-ministro João Sayad propôs que essa discussão precedesse à da vocação brasileira, já que juros altos e câmbio deprimido impedem, de cara, que o Brasil responda com crescimento, inclusive em situações onde o cenário internacional é altamente favorável.

O economista Luciano Coutinho defendeu, como agenda prévia à discussão da vocação brasileira, o debate sobre um programa fiscal de longo prazo, que reduza e dê qualidade aos gastos correntes do governo, além das questões juros/câmbio, alta tributação, dívida pública e falta de investimentos.

Na sala 4, no entanto, o empresário Hugo Marques Rosa teve que mediar o conflito: o consenso em torno da dobradinha câmbio/juros foi para o espaço, num embate ideológico entre o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, a lavradora, radialista e sindicalista Maria Madalena Firmo e a militante comunitária Lucia Castencio.

O ex-ministro colocou como premissa para a discussão a vocação brasileira para a economia de mercado - um caminho entendido pela "sociedade que enxerga mais longe" -, embora tenha ressaltado o caráter concentrador de renda dessa economia.

"Não quero aceitar que o capitalismo seja a nossa única opção", protestou a militante de movimentos sociais Lucia Castencio, do evento Brasil Real.

"Se tiverem que fazer uma carta sintetizando as posições daqui, vão ter que fazer uma carta de direita, outra de esquerda", afirmou Maria Madalena, a "Leninha", antes do jantar de sábado, comentando os acontecimentos do dia.

Foi o que aconteceu entre as quatro paredes da sala, na parte da tarde: Mendonça de Barros classificou ideologicamente as duas representantes do Brasil Real de "esquerda" e foi taxado por Maria Madalena de "capitalista pretensioso".

De noite, o grupo do Brasil Real ainda comentava a experiência do embate com o ex-ministro. "Eles foram as cabeças pensantes do governo de FHC. O que fizeram por esse país?", perguntou Maria Madalena.

"Tem uma carga pesada aqui, muito partidarizada", concluiu Lúcia.

No contrapé da forte carga ideológica - e ao forte conteúdo econômico - do debate sobre a vocação brasileira, a Monja Coen propôs, na mesma sala 4, como adendo à vocação brasileira, o potencial que decorre do respeito e acomodação da pluralidade racial e religiosa e a capacidade de aceitar novas idéias.

Embora todos tenham concordado com a monja sobre a flexibilidade do brasileiro com as novas idéias, as reclamações contra as velhas fórmulas e diagnósticos, nas diversas salas, foram esparsas.

A advogada Joênia de Carvalho, índia, também do Brasil Real, reagiu à discussão que girou em torno de câmbio e juros.

"Estamos buscando desenvolvimento padronizado, o que é contraditório com a diversidade social e cultural brasileira", afirmou.

A escritora Rose Marie Muraro ouviu pacientemente o economista David Zylbersztajn discorrer sobre os modelos de crescimento do Japão, de Cingapura e da Coréia, fortemente baseados na educação, e ponderou: o Brasil pode até se inspirar nesses países, mas tem que fazer algo que seja apenas seu.

"Temos que fazer um modelo mais cooperativo, menos competitivo".

"Estamos falando aqui dentro as mesmas coisas que falam lá fora", reclamou, numa das plenárias, o urbanista Joaquim Guedes.

Na questão da educação, no entanto, as linguagens quase se aproximaram.

O dirigente do MST João Pedro Stédile afirmou que o movimento se preocupa "mais em ocupar escolas do que terras", porque a educação é condição de cidadania.

Propôs não apenas na sala temática, mas em todos os fóruns do DNA, um "mutirão nacional" para tirar do analfabetismo 12 milhões de adultos brasileiros; uma revolução metodológica - "hoje a escola é chata, os alunos cansam, virou ensino bancário"; universalização de fato do acesso à educação e a proximidade da escola ao lugar de moradia.

Sayad combateu a visão economicista do problema educacional, afirmando que o seu interesse não é o de viver num país só de cientistas.

"O que eu quero para o país onde nasci e onde tenho minhas raízes é uma educação que garanta ao país que estejamos sempre capacitados a acompanhar a evolução da civilização onde estamos inseridos, cientificamente e culturalmente", afirmou.

Ele propôs que se retire a discussão da educação de qualidade do rol das "vantagens comparativas" - o que imprimiria uma urgência de aprendizado apenas técnico - mas uma educação universal, que supra o país de "um contingente de pessoas capazes de estarem ligados ao mundo".

"Falta imaginação à escola, falta usar o mundo como laboratório", afirmou Zylbersztajn.

No seu grupo, foi destacada também a inadequação da educação tradicional numa era onde o progresso tecnológico dissemina um grande volume de informações.

Também à velocidade da geração e disseminação do conhecimento Muraro atribuiu a crise educacional, que considera uma crise da humanidade, que não conseguiu se reeducar de forma adequada para sistematizar esse conhecimento.

O antropólogo Peter Fry afirmou que o problema da educação não são os jovens, que são "cada vez mais interessantes", mas a falta de autonomia para a aquisição do conhecimento.

Na questão do acesso, no entanto, a discussão foi mais caótica. Aí se enviezaram as questões políticas e econômicas.

À pergunta "quem vai abrir mão do que?", o ex-ministro Sayad afirmou: "Não precisamos abrir não de nada, a não ser de nossos preconceitos".

O primeiro preconceito que Sayad propôs que se derrubasse foi o excessivo dogmatismo econômico. Propôs, ainda, que se aliasse a essa política menos rígida as políticas compensatórias de renda.

Stédile contra-argumentou, afirmando que o crescimento econômico puro e simples não resolve o problema da distribuição de renda. O ex-presidente do Banco Central, Fernão Bracher, sustentou que o problema da má distribuição de renda é questão de política pública.

Desse tema, acabou se convergindo para a má qualidade da representação política e para a necessidade de uma reforma política.


Data: 18/09/2006