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Raízes psíquicas da violência na cidade de SP

"A violência no coração da cidade", de Paulo Cesar Endo, professor da USP, é um dos ganhadores do Prêmio Jabuti. Em entrevista à Agência Fapesp, ele conta como mergulhou no processo de normalização das redes violentas

A delicada questão da violência urbana, normalmente investigada por antropólogos e sociólogos, também pode ser pesquisada a partir da psicanálise e das teorias propostas por Sigmund Freud.

Trilhar esse caminho e buscar compreensão para o fenômeno da geração de atos violentos nas grandes cidades, principalmente em SP, foi o objetivo da pesquisa de Paulo Cesar Endo, professor do Instituto de Psicologia da USP.

O resultado está em A violência no coração da cidade (Editora Escuta). Por causa da contribuição para o entendimento desse delicado problema social, o livro, que teve apoio da Fapesp, foi considerado como um dos três mais importantes de 2006 na categoria Educação, Psicologia e Psicanálise do Prêmio Jabuti.

A solenidade de premiação dos ganhadores nas diversas modalidades será realizada nesta quarta-feira (13/9), na capital paulista.

Em entrevista à Agência Fapesp, Endo conta como mergulhou no processo de normalização das redes violentas e aponta caminhos para uma compreensão mais completa do problema da violência urbana.

- Como é o caminho psicanalítico para o estudo da violência urbana?

Endo - A violência urbana está tradicionalmente ligada à antropologia urbana e à sociologia. Entretanto, cada vez mais se torna fundamental compreender as marcas subjetivas que essa violência deixa nos habitantes das grandes cidades. Sem essa visão é muito complicado pensar em políticas públicas de médio e de longo prazo. Há uma série imensa de medos e traumas conscientes que perduram na experiência do cidadão das cidades violentas.

- Isso acaba gerando os dramas coletivos na área de segurança?

- De alguma maneira, os cidadãos passam a ter uma posição reativa no que se refere à violência. No geral, mesmo não tendo isso muito claro, muitos se ligam automaticamente a políticas públicas de extermínio. São momentos em que aparecem a pena de morte, a redução da maioridade penal e o discurso de que pobre tem que morrer.

- Um ciclo vicioso para agravar ainda mais a situação.

- Quando isso se coletiviza, e deixa de ser apenas folclórico, acaba servindo de sustentação para políticas de endurecimento. Isso é visto nas polícias ou nas práticas de encarceramento, que não respeitam a Lei de Execuções Penais. Esse é um processo que esquenta o caldo, tornando o problema da violência definitivamente enraizado nas grandes cidades.

- Essas raízes acabam sendo enxergadas apenas pela abordagem disponível na psicanálise?

- Não é que a antropologia urbana e a sociologia não tenham dado contribuições fundamentais, mas é preciso investigar as raízes psíquicas do problema, o que tento fazer no livro. Hoje, por exemplo, crianças e adolescentes fazem parte do cotidiano de uma cidade que usa de dispositivos violentos para solucionar seus conflitos. Isso se torna um valor que até certo ponto é positivo, mas, de maneira geral, torna a violência algo normal. No geral, percebe-se muito bem a violência do outro, mas não se percebe a violência que você pratica, porque ela fica no registro mais inconsciente.

- Em seu livro há um diagnóstico da situação atual, seguido por uma investigação teórica baseada em Freud e, no final, o sr. aponta caminhos para possibilitar uma maior compreensão do problema. Poderia descrever alguns desses caminhos?

- Um dos caminhos positivos é o trilhado pelo Fórum em Defesa do Jardim Ângela [bairro pobre localizado na Zona Sul de São Paulo], movimento de resistência eficaz em conseguir reestruturar uma rede social totalmente dilacerada pela violência que leva pessoas a ficar dentro de casa com as portas trancadas. De alguma maneira, o que esses movimentos fazem é tornar o espaço público interessante e agradável, ocupando as ruas com diversas atividades.

- Algo que não ocorre mais em muitos lugares de São Paulo.

- O espaço público em SP está degradado. A mensagem que o cidadão paulistano recebe, sobretudo as classes mais empobrecidas, das periferias, é "Vire-se. Contrate um segurança privado. Pague um guarda. Blinde o seu carro. Tranque-se em sua casa". Essa mensagem, ao ser repetida praticamente a vida toda, deixa uma marca muito forte.

- A marca da falta de segurança?

- A sensação de falta de bem-estar gera uma reação igualmente privada. No limite, é o lema da justiça com as próprias mãos. Isso é uma característica das elites brasileiras. Ao se debruçar sobre a recuperação do espaço público, elas usam da segurança privada, inclusive como motivo de ostentação.


Data: 12/09/2006