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Inpa detém maior coleção de peixes da Amazônia

São mais de 250 mil exemplares coletados em várias áreas da região. A coleção representa uma riqueza imensurável

As extensas áreas e a abundância de recursos naturais na Amazônia permitem que a região tenha uma ictiofauna (peixes) diversificada, distribuída por centenas de igarapés, lagos e rios.

Fazer o levantamento de toda essa riqueza é apenas um dos grandes desafios enfrentados pelos pesquisadores, mas que aos poucos está sendo superado.

Então, como fazer para preservar essas informações, e ao mesmo tempo, levar à público esse conhecimento científico imensurável? Isso é o que está fazendo o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) por meio da Coleção de Peixes.

A curadora da Coleção, Lúcia Hellena Rapp Py-Daniel, doutora em Ecologia e Biologia Evolutiva pela Universidade do Arizona, cita alguns exemplos da importância da coleção tanto nacional quanto internacionalmente.

Ela destaca que estão reunidos no instituto mais de 250 mil exemplares de peixes oriundos das mais diferentes drenagens e rios do sistema Solimões-Amazonas.

Deste número, 26 mil lotes já se encontram registrados e informatizados os quais estão identificados a nível de espécie pelos pesquisadores do instituto ou especialistas de outras instituições.

Além disso, cerca de 20 mil ainda estão em processo de registro. "A coleção detém 348 espécimes/tipos, pertencentes a representantes da ictiofauna de água doce da Amazônia", destaca.

Ela explica que espécime/tipo são amostras padrão sobre as quais os especialistas baseiam as descrições e os nomes científicos das diferentes espécies de organismos.

Temos como exemplo o "tipo" (holótipo) ou "tipos" (parátipos) de jaraqui escama grossa, ou seja, esses exemplares são o testemunho da descrição da espécie e representam o indivíduo que comumente é denominado jaraqui escama grossa.

Já com o material "tipo" podemos confirmar se novos peixes coletados pertencem a espécies conhecidas ou não. Esta é, portanto, a porção mais valiosa de um acervo científico.

Rapp destaca que a Coleção teve início com a pós-graduação da instituição e os primeiros registros de material são de 1976, coletado pela primeira turma de mestrado em Biologia de Peixes no Inpa.

Entretanto, boa parte deste material, assim como peixes coletados por projetos desenvolvidos na época, foi enviado para o Museu de Zoologia da USP ou para o Museu Paraense Emílio Goeldi.

Segundo ela, isso acontecia porque no Inpa não havia ainda uma proposta de organização desse acervo, assim como não havia sistematas em peixes (cientista responsável pela identificação e classificação das espécies).

A Coleção do Inpa obteve reconhecimento internacional, em 1985, por meio da publicação da American Society of Ichthyology and Herpetology (entidade americana especializada em ictiologia e herpetologia, ou seja, ramo da biologia que estuda os répteis e os anfíbios).

Esse fato, ao mesmo tempo, é relevante e preocupante, pois segundo Lúcia Rapp, demonstra que o reconhecimento internacional vem primeiro do que o nacional, como, por exemplo, EUA, Inglaterra, Alemanha, França e Holanda. Na época, as instituições nacionais não davam a mesma importância.

"O Inpa detém a maior coleção de peixes da Amazônia em material e áreas amostradas. Caso alguém queira conhecer a variedade de peixes da região, o local certo é aqui. A variabilidade e a variação morfológica da nossa coleção não é encontrada em nenhum outro lugar do Brasil. Todavia, em número de exemplares, o Museu de Zoologia de SP supera o do Inpa, pois é mais antigo, mas, aos poucos, está sendo superado. Nós estamos nos aproximando em relação a quantidade de amostras. Isso se deve porque nós temos mais oportunidade para fazer coletas de campo", enfatiza.

Curiosidades

A grande variabilidade de peixes existentes na coleção desperta a atenção tanto de estudantes do ensino fundamental quanto da sociedade leiga, e até de oficiais do exército.

Para atender essa demanda existe uma coleção didática formada por materiais sem procedência, pois não podem ser utilizados com fins científicos. As amostras também são disponibilizadas para estudantes participantes de feiras científicas.

Segundo a pesquisadora, mesmo sendo perigoso entrar no prédio da coleção e não tendo uma área específica para receber as pessoas, a curiosidade de cada público é acomodada da melhor forma possível.

"Quando recebemos visitas de alunos, tentamos limitar o número em no máximo dez. Durante as visitas, eles são orientados sobre o funcionamento da coleção, como está organizada etc. A coleção didática facilita o aprendizado porque o acervo científico está organizado sistematicamente, o que para o leigo é complicado", explica.

O exército também recebe atenção especial. É o que afirma Lúcia Rapp.

"Todo ano o exército realiza um curso de sobrevivência na selva. Em um dos módulos os oficiais aprendem sobre animais peçonhentos, entre eles, a arraia e o candiru. Durante a palestra, são orientados a respeito dos cuidados, mitos e realidades da região onde esses peixes são encontrados", destaca a pesquisadora.

Na coleção também há curiosidades, como, um tambaqui de 55 cm armazenado em um tanque de formol.

A pesquisadora diz que é o maior depositado em uma Coleção. Ela explica que o peixe (uma fêmea ovada) foi apreendido pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e está no Inpa há três anos.

Outro peixe que também chama a atenção é o bodó. Existem dois exemplares de 1 m de comprimento.

"Eles não fazem mal algum, mas como são muito espinhentos e possuem muita força na cauda, um animal desse vivo poderia machucar muito uma pessoa só com uma rabada", ressalta acrescentando que também há espécies em miniaturas, como, por exemplo, um bagre adulto de 2 cm.

Segundo Lúcia Rapp, tanto o crescimento exagerado quanto a miniaturização são ocasionados por fenômenos evolutivos.

O primeiro, possivelmente tenha sido favorecido pelo alimento em abundância ou por apresentar poucos predadores naturais.

No segundo caso, os peixes em miniatura ocupam um nicho ecológico que outros não conseguiram explorar e sobreviver.

Ela ressalta que existem linhas de pensamento que tentam explicar os dois processos, mas ainda se conhece muito pouco sobre o assunto.

Armazenamento - Lúcia Rapp explica que uma coleção só tem valor quando ela pode ser objeto de estudo, mas para isso é preciso evitar o deterioramento dos exemplares.

O objetivo é fazer com que os peixes fiquem intactos por décadas e até centenas de anos. Para isso, o primeiro passo é dar um "banho" de formol: internamente (por injeção nos exemplares maiores) e externamente (nas amostras menores).

Depois, elas são lavadas e conservadas em álcool para facilitar o manuseio por parte de estudantes e pesquisadores, já que o formol é altamente tóxico.

"São consumidos cerca de 1,8 mil litros de álcool por ano e são gastos R$ 10 mil na compra do mesmo", informa. Além disso, os animais também são conservados em nitrogênio líqüido e em freezeres.

Ela
afirma que apesar de todo o cuidado no armazenamento dos peixes, assim como de outros grupos biológicos, já aconteceram casos em que perderam um freezer com diversas amostras.

"Isso aconteceu com amostras de pássaros. Quando situações assim acontecem ficamos desesperados porque houve investimento em tempo e recurso para a realização da coleta de campo. Além disso, provavelmente nós nunca mais voltaremos ao local onde foi feita a pesquisa. Cada excursão é um evento não repetível por mais que você retorne à região", explica.

Rapp diz que para depositar algum material na coleção alguns critérios devem ser seguidos. Para isso, é necessário um certo número de informações, sem as quais os exemplares não podem ser úteis.

Ao dar entrada, o pesquisador precisa informar: onde o material foi coletado, os nomes dos coletores, a data, o aparelho de pesca ou método de captura utilizado etc. Atualmente, quando possível, é necessário o nome do projeto no qual a coleta está incluída.

Evitando desastres ecológicos - Ao longo do rio Solimões-Amazonas são quase 5 mil quilômetros de água, com diferentes tributários, lagos, igarapés etc. Fazer o levantamento de toda a ictiofauna é algo complexo e de difícil acesso.

Por isso, toda a vez que o pesquisador realiza um inventário nessas áreas é possível saber quais organismos vivem nessas regiões, de que se alimentam etc.

Os exemplares coletados são preservados, identificados e ficam à disposição da comunidade científica, acadêmica, órgãos governamentais e instituições de ensino e pesquisa.

"Caso um pesquisador demonstre que em uma área a quantidade de jaraqui tenha diminuído, por exemplo, com certeza o problema teve algum motivo. Essas informações são utilizadas para subsidiar programas de conservação", destaca Rapp.

Ela também cita como exemplo o caso da hidrelétrica de Tucuruí, localizada no rio Tocantins. O local, simplesmente, foi isolado para a construção da barragem sem os cuidados necessários e sem o conhecimento aprofundado das espécies da região.

A pesquisadora explica que houve uma mudança drástica do ambiente. Com isso, alguns peixes de correnteza desapareceram. Segundo ela, provavelmente, estão extintas do habitat natural. Isso não significa que não tenham migrado para outros locais.

"Algumas dessas espécies temos representadas no Inpa. É um material que nunca mais conseguimos coletar, como, um peixe parecido com um mussum que fica enterrado na areia", lamenta.

As informações sobre as áreas modificadas podem ser utilizadas em decisões políticas e em relatórios de impactos ambientais.

Contudo, a pesquisadora ressalta que já aconteceu de os cientistas elaborarem um parecer contra a utilização de uma determinada região para a construção de hidrelétrica e o mesmo não ser acatado.

Genoma

Atualmente, o Inpa está montando um banco de amostras de tecido para análises moleculares de diversos organismos, inclusive dos peixes.

Segundo Lúcia Rapp, a criação do banco foi motivada pela importância de se conhecer a variedade genética dos diferentes organismos da Amazônia.

As informações ajudam a compreender melhor a capacidade que alguns peixes têm em resistir a impactos naturais ou causados pelo homem.

Hoje, as amostras dos tecidos estão distribuídos em alguns laboratórios do instituto, mas a intenção é reunir o que está sendo gerado de informação no Programa de Acervos Científicos.

O projeto também conta com um Laboratório Temático de Biologia Molecular para realização das pesquisas.

Classificação dos peixes - Você sabe qual a ciência responsável pela classificação dos peixes? É a sistemática. Ela trabalha ligada a taxonomia, que determina o nome dos seres vivos.

A sistemática proporciona um método de organização dos seres em grandes grupos: gêneros, famílias e ordens. A sistemática também ajuda a determinar como essas entidades relacionam-se evolutiva e biogeograficamente.

A pesquisadora afirma ser a única especialista em sistemática de peixe no Inpa, o que infelizmente está longo do necessário.

Esse profissional é o responsável pela atualização dos nomes dos exemplares da Coleção, que é um processo contínuo e requer tempo.

Há pouco, o Inpa recebeu o pesquisador, Alberto Akama, doutor em sistemática de peixes, por meio do Programa de Desenvolvimento Científico Regional da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam) e CNPq).

Ele ficará durante três anos desenvolvendo atividades de pesquisa e auxiliando na Coleção. "Contudo, ainda existe uma necessidade muito grande de novas contratações na área de sistemática de peixes", finalizou.


Data: 11/09/2006