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Terra do gelo agora planta e cria gado

Efeitos do aquecimento global já são visíveis na Groenlândia

Conhecida por seus maciços lençóis de gelo, a Groenlândia já começa a sentir de forma clara os efeitos do aquecimento global.

A elevação média das temperaturas aumentou o tempo da estação de plantio e as lavouras estão florescendo. Pela primeira vez em centenas de anos, é possível criar gado, plantar brócolis e obter maior produtividade na colheita de várias culturas.

Para a maioria das pessoas na Terra, o aquecimento global ainda consiste em pouco mais do que modelos de computador e um número que não parece concreto nem ameaçador - um aumento estimado de 3ºC na temperatura média mundial até o ano de 2100.

Em Qaqortoq, no extremo sul da Groenlândia, essa alteração é visível. A temperatura média aumentou de 0,63ºC para 1,93ºC em apenas 30 anos.

Na prática, a temporada de plantio aumentou duas semanas e agora se estende por 120 dias. Com mais de 20 horas de luz solar por dia no verão, essas duas semanas fazem uma enorme diferença.

Aproveitando-se dessa variação climática, o governo da Groenlândia - que é um território autônomo que pertence à Dinamarca - lançou um ambicioso programa para desenvolver a agricultura na ilha.

Curiosamente, o local agora se aproxima do significado de seu nome original, que quer dizer terra verde.

Criadores de renas e ovelhas já vêm levando seus rebanhos para pastar no sul da Groenlândia há muitos anos.

Como parte do novo programa, será introduzido gado às pradarias rochosas da ilha para estimular a incipiente indústria de laticínios. O leite fresco custa mais de 5 (cerca de R$ 14) nos supermercados locais atualmente.

A expectativa é de que as temperaturas na ilha subam quase o dobro do que no resto da Europa. Isso porque a capota glacial da Groenlândia está encolhendo.

O interior da ilha é composto de montanhas de gelo que podem ter uma espessura de até 3.400 metros em alguns lugares. Se essa enorme massa de gelo derreter, os níveis dos mares se elevarão em quase sete metros.

Embora esse cenário horrendo provavelmente não aconteça rapidamente, estudos recentes mostraram que a quantidade de degelo que desapareceu em 2005 foi quase o triplo da média anual entre 1997 e 2003.

Novos agricultores

Qaqortoq, centro econômico do sul da Groenlândia, é um exemplo desta transformação. A cidade tem escolas de ensino médio, um porto, uma instalação industrial de processamento de peixe e o departamento agrícola.

Ferdinand Egede, um produtor de batatas de 49 anos, está otimista. No verão passado, colheu 20 toneladas de batatas da terra e sua produção vem se tornando maior a cada ano.

"A temperatura já está ficando amena até novembro agora", diz Egede. E se isso é o que os cientistas distantes chamam de efeito estufa, certamente é um fenômeno bem vindo no que diz respeito a Egede.

O único indício de um estilo de vida que já não existe pode ser encontrado nas cenas de caça da tapeçaria bordada pendurada na parede ao lado de sua TV na sala de estar.

"Caçar está ficando cada vez mais difícil", diz ele. "O fiorde quase não congela mais durante o inverno e hoje em dia os veículos motorizados que trafegam sobre o gelo afundariam".

Para os felizardos novos agricultores da Groenlândia, isso significa que eles poderão repetir uma importante parte da história humana dentro de um período de tempo bem mais curto.

Seus avós eram caçadores nômades, seus pais criaram animais domésticos e a atual geração está arando os campos.

O primeiro brócolis

O agrônomo Kenneth Hoegh, consultor-chefe do departamento de agricultura da Groenlândia, diz que vê provas da mudança do clima em quase tudo a sua volta.

Antigamente, Qaqortoq quase nunca via gelo no mar. "Mas agora os fiordes no leste da Groenlândia, que costumavam estar congelados o ano inteiro, estão derretendo e a corrente está carregando o gelo para a nossa baía", diz ele.

Numa instalação de pesquisa do outro lado do fiorde, cientistas estudam o comportamento de plantas úteis quando elas são submetidas a condições que se aproximam de seus limites biológicos.

O primeiro brócolis da Groenlândia cresce lá, embora debaixo de lonas de plástico porque precisa ser protegido contra as temperaturas noturnas congelantes, que podem se estender até junho na região.

"O período de plantio já é tão extenso quanto nos Alpes, a uma altitude de 1.500 metros", diz Hoegh. Atualmente começa no início de maio, mas se começar duas semanas mais cedo, os agricultores conseguirão até plantar maçãs e morangos.

Plantar suas próprias frutas e verduras significa mais do que apenas auto-suficiência econômica para a Groenlândia.

Hoegh acredita que o cultivo local poderá ser uma bênção para a saúde dos cerca de 57 mil habitantes da ilha, cuja dieta alimentar cada vez mais está passando de carne crua de baleia e sangue de foca para refrigerantes, biscoitos e barras de chocolate.

"Acontece que esses alimentos doces costumam ser muito mais baratos que frutas e verduras importadas", reclama Hoegh, pai de quatro filhos.


Data: 11/09/2006