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Entre a promessa de campanha e a realidade do mercado, artigo de Paulo Nathanael Pereira de Souza

Sem educação de qualidade, o brasileiro continuará condenado a ser um campeão da desigualdade de renda, da desqualificação para a realidade atual do mercado de trabalho, da falta de perspectiva de melhor qualidade de vida para todos

Paulo Nathanael Pereira de Souza - Educador e presidente do Conselho de Administração do CIEE

Candidatos são praticamente unânimes em defender melhor educação, mas poucos se lembram da contribuição da sociedade para isso.

Quase todos os candidatos em campanha para as eleições de 1º de outubro incluem a educação entre suas prioridades, caso saiam vitoriosos nas urnas, fazendo eco às pesquisas que colocam o tema entre os maiores problemas que afligem os brasileiros.

Aparentemente, é uma ótima notícia, num país em que as estatísticas revelam que os analfabetos funcionais compõem 75% da força de trabalho e os exames nacionais indicam que mais da metade dos alunos da 4ª série mal consegue ler um texto simples ou concluir uma operação aritmética básica, sem falar que, de cada 100 alunos que ingressam no primeiro ano do ciclo fundamental, apenas 40 concluem o ensino médio.

Ao eleitor de ouvidos mais atentos, entretanto, quase todas essas promessas soam um tanto superficiais, dada a repetição monocórdia, e, na verdade, são percebidas mais como "compromissos de campanha" do que como compromisso para valer depois da posse.

Isso se deve à superficialidade das sugestões, na sua maioria, e ao seu descolamento dos verdadeiros anseios da população, que ficam patentes quando se analisam as razões que levam o eleitor a valorizar o ensino.

O pai de família vê na escola de qualidade a oportunidade de uma vida melhor para os filhos. O jovem acredita no estudo como a base para uma carreira profissional bem sucedida. Os cidadãos conscientes sabem que, sem boa escolaridade, o País continuará patinando em taxas pífias de desenvolvimento.

Em outras palavras, sem educação de qualidade, o brasileiro continuará condenado a ser um campeão da desigualdade de renda, da desqualificação para a realidade atual do mercado de trabalho, da falta de perspectiva de melhor qualidade de vida para todos, entre outros indicadores vergonhosos.

As conseqüências do descaso estão aí, bem diante dos olhos daqueles que conseguem enxergar além de um palmo diante do nariz.

Por exemplo, a China avança a taxas de crescimento na casa dos 10% ao ano e em 2004, durante visita à USP, o ministro da Educação Zhou Ji, informava que seu país possuía 20 milhões de universitários, mas "ainda era muito pouco".

Outro exemplo, a Coréia do Sul, que há menos de 30 anos, ostentava indicadores de desenvolvimento semelhantes aos brasileiros, hoje encontra-se muitos pontos à nossa frente e bem próximo da situação dos países desenvolvidos, num salto que especialistas são unânimes em creditar à forte aposta feita na educação.

Na história recente da China e na Coréia de Sul, há um ponto comum com as experiências de outros países em franco crescimento: a prioridade à educação, com foco na sua aplicação ao mundo do trabalho.

Resultado da soma de esforços do governo e da sociedade, essa é a única alavanca que possibilita galgar posições no ranking mundial de desenvolvimento.

Sensibilizados por esse contexto, os formuladores de políticas educacionais deveriam incluir nos pontos essenciais da política educacional - entre os quais se incluem ênfase no ensino básico, revisão do papel do ensino superior, melhora da gestão das instituições de ensino e outros --, as contribuições que a sociedade já provou que pode dar a esse setor estratégico.

Uma delas é o estágio, introduzido no Brasil há mais de quatro décadas por educadores e empresários, como instrumento de inclusão do estudante no mercado de trabalho.

Ao longo desses anos todos, só fez crescer o número de empresas e órgãos públicos que apostam no estágio como o melhor caminho para identificar e qualificar futuros talentos, hoje considerados o valioso capital humano indispensável para o sucesso das corporações e do próprio país.

Assim, é de lamentar que, apesar dos efeitos positivos comprovados pela experiência e por pesquisas independentes (entre os quais, vale destacar a importância da bolsa-auxílio para assegurar a permanência na escola tanto dos alunos dos ensinos médio e superior), o estágio seja praticamente ignorado pelos candidatos que detectaram a importância de defender educação e trabalho para as novas gerações.


Data: 06/09/2006