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Furacões: Fim da calmaria

Em meio à aparente leva de furacões violentos, cientistas debatem se aquecimento é a sua causa

É fim de tarde e, na sala de teto baixo nos arredores de Miami, uma bancada cheia de monitores de computador mostra uma massa de cores vibrantes -verde, azul e amarelo- que avança para o nordeste e cobre a parte superior do Estado da Flórida.

Essa massa de redemoinhos é Alberto, a primeira tempestade tropical da temporada de 2006, e ela já passou pelo oeste do Caribe e pelo golfo do México, inundando Cuba e as ilhas Cayman e devastando-as com ventos de 112 km/h..

Os especialistas do Centro de Previsão Tropical dos Estados Unidos percebem que Alberto está diminuindo de intensidade, mas preferem manter o estado de alerta por mais algumas horas.

Depois da temporada de furacões de 2005, a pior já registrada, uma atenção sem precedentes está sendo dedicada aos alertas sobre tempestades tropicais.

Com mais e mais gente se mudando para cidades costeiras, nunca tantas vidas -nem tanto dinheiro- estiveram em jogo. E, ao mesmo tempo, nunca a ciência por trás da previsão do tempo em áreas tropicais foi tão conturbada pela falta de consenso.

O debate é parte de uma discussão mais ampla sobre a extensão e as implicações da mudança climática.

Para alguns, está mais do que claro que essas tempestades estão ficando mais fortes por causa da queima de combustíveis fósseis, enquanto outros dizem que ainda não há evidências convincentes que confirmem a relação.

A violência do furacão Katrina, que há um ano varreu Nova Orleans do mapa, matou cerca de 1.800 pessoas e causou danos no valor de US$ 80 bilhões, impulsionou as especulações sobre as causas das tempestades.

Será que o aquecimento global poderia estar por trás do desastre? Entre as pesquisas citadas para apoiar a idéia estavam o trabalho de Kerry Emanuel, climatologista do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).

Ele argumenta que, embora as temperaturas da superfície do mar tenham aumentado só 0,5C nos últimos 30 anos, o poder destrutivo dos furacões dobrou.

Correção estatística

Emanuel recolheu estatísticas que remontam a 1930 e, depois de fazer ajustes para corrigir o que pareciam ser problemas de precisão nas medições mais antigas, criou um índice que mede o poder de destruição anual dos furacões, o chamado PDI.

Ele comparou esse índice com a temperatura média da superfície do mar durante os meses de setembro de cada ano, e diz ter encontrado um elo claro entre os dois.

Além disso, Emanuel afirma que, nos últimos 30 anos, as tempestades ficaram mais violentas e duram mais tempo.

Outras evidências vieram do trabalho de Peter Webster, do Instituto de Tecnologia da Geórgia, e Greg Holland, do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos EUA.

Segundo eles, o número de furacões das categorias quatro e cinco quase dobraram nos últimos 35 anos. "Nosso trabalho é consistente com o conceito de que há uma relação entre o aumento da temperatura da superfície do mar e a intensidade dos furacões", diz Webster.

Pouca gente duvida de que ambos os aumentos sejam verdadeiros, mas o problema é associá-los, argumenta Chris Landsea, do Centro de Previsão Tropical.

Ele diz que não há evidências suficientes para concluir que o aumento da atividade de furacões não seja causado por um ciclo natural.

Landsea questiona a metodologia de Emanuel: segundo ele, o consenso hoje é que a correção feita pelo pesquisador nos dados dos anos 1930 não precisava ter sido feita.

"Se você usa os dados ajustados, parece haver um padrão progressivo; se usa os dados originais, é só um ciclo", afirma ele.

Roger Piekle, do Centro de Ciência e Política de Pesquisa Tecnológica, também questiona as conclusões de Emanuel. Piekle investigou os danos causados pelos furacões, argumentando que, se eles aumentaram seu potencial destrutivo, seria possível quantificar esse dano.

Sua conclusão, no entanto, é que não há um aumento progressivo na destruição.

Cada um dos lados acusa o outro de pensar de forma fundamentalista. Emanuel não cita nomes, mas afirma: "O problema é que alguns de meus colegas deixaram que suas convicções políticas e até religiosas os influenciassem".

O pesquisador continua certo sobre suas conclusões. "Nós provavelmente nunca mais teremos uma década tranqüila no Atlântico. Talvez tenhamos anos mais calmos, mas nunca mais haverá décadas calmas como os anos 1970 e 1980."


Data: 04/09/2006