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A ciência ganha e Plutão perde, artigo de Ronaldo Rogério de Freitas Mourão

"Não se justifica afirmar que Plutão foi desclassificado. Afirmar que Plutão perdeu status é um pouco injusto. Na realidade, ele sempre foi um asteróide ou um pequeno planeta ou ainda um planetóide"

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão - Astrônomo, criador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins.


Em menos de uma semana, o sistema solar sofreu uma série de incríveis abalos. Há um mês, ele possuía 9 planetas. Menos de quinze dias depois, ele estava para ganhar mais 3 e dentro em breve mais outros 8, chegando a um total de 20. Hoje ele só possui 8.

No dia 24 de agosto, astrônomos reunidos na 26ª assembléia-geral da União Astronômica Internacional, em Praga (República Checa), reclassificaram Plutão. A decisão foi tomada pelos cerca de 300 presentes após uma semana de intensas discussões.

Aliás, desde a sua descoberta nos confins do sistema solar, em 1930, ou seja, há quase 80 anos, Plutão foi motivo de discussões com relação a sua classificação como planeta. Finalmente agora o planeta foi colocado no seu devido lugar no sistema solar.

Não se justifica afirmar que Plutão foi desclassificado. Afirmar que Plutão perdeu status é um pouco injusto. Na realidade, ele sempre foi um asteróide ou um pequeno planeta ou ainda um planetóide.

Começo conturbado

Sua classificação como planeta foi um equívoco justificável, pois na época não se tinha os recursos tecnológicos que permitiriam observar a região onde se encontrava.

O mesmo ocorreu com Ceres, localizado entre Marte e Júpiter, que, descoberto em 1801, foi inicialmente conhecido como planeta. Mais tarde, com as sucessivas descobertas de outros na mesma região, passou a ser designado como asteróide ou planetóide.

Aliás, o mesmo deveria ter ocorrido com Plutão logo que outros corpos celestes começaram a ser localizados em suas vizinhanças.

Apesar do astrônomo americano de origem holandesa Gerald Kuiper ter previsto, por volta de 1950, a existência de um cinturão de asteróides além da órbita de Netuno, só a partir dos anos 1990 foi possível descobrir uma série de corpos celestes nessa região. Daí a razão de uma retificação tão tardia.

Convém assinalar que, logo depois da descoberta de Plutão, suas dimensões foram superestimadas. Num certo período da história, os livros didáticos registravam que o menor planeta do sistema solar era Mercúrio. Todavia, sabe-se hoje que Mercúrio é de dimensões muito superiores às de Plutão.

Aliás, as diferenças existentes entre Plutão e os outros planetas já naquela época não permitiam sua fácil integração à família dos planetas históricos. Com efeito, Plutão não é um planeta rochoso como Mercúrio, Vênus, Terra e Marte, os quatro mais próximos do Sol, nem um gigante gasoso como Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. Na realidade, Plutão é um astro deserto e gelado, cujo diâmetro de 2.300 quilômetros é inferior em mais de 1.000 quilômetros ao da Lua, o satélite natural da Terra.

Além disso, ao contrário do que ocorre com os oito outros planetas históricos do sistema solar, que descrevem órbitas quase circulares, Plutão descreve uma trajetória muito elíptica, sendo o plano muito mais inclinado em relação às dos outros planetas.

Apesar do desconforto da classificação de Plutão como planeta, a crise somente se agravou em 2003, com a descoberta do asteróide 2003UB313 (provisoriamente denominado Xena), que possuía um diâmetro superior ao de Plutão em 100 quilômetros.

Novos tempos

Os critérios essenciais para que um corpo celeste entre nos livros como "planeta clássico" são três.

Primeiro, é preciso orbitar ao redor do Sol. Também deve apresentar uma massa suficiente para que sua gravidade, compensando as forças de coesão do corpo sólido, lhe dê uma forma quase esférica.

Finalmente, que o planeta anão satisfaça um terceiro critério, sem dúvida o mais polêmico: eliminar todos os corpos suscetíveis de se deslocarem em uma órbita próxima.

Com efeito, em conseqüência desta última exigência, todos os objetos do Cinturão de Asteróides, entre Marte e Júpiter, assim como os mais afastados do Cinturão de Kuiper, depois de Netuno, ao qual pertence Plutão, serão excluídos da classificação de planeta, devendo ser incluídos na categoria de "planeta anão".

Na realidade, o receio maior dos astrônomos reunidos na assembléia da União Astronômica Internacional era a obrigação de revisar regularmente a lista dos planetas por ocasião das novas descobertas.


Data: 04/09/2006