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Conselho da Secretaria Regional da SBPC de SP elabora documento "Considerações sobre as propostas para os candidatos"

"Não há chance da reforma universitária ser melhorada pela Câmara dos Deputados, tanto do ponto de vista do interesse da população como de um real progresso na educação superior"

O documento é assinado por Suzana Salem Vasconcelos, em nome do Conselho da Secretaria Regional da SBPC de SP. Leia o na íntegra:

Considerações sobre as "propostas para os candidatos"

O Jornal da Ciência de 4 de agosto de 2006 publicou uma versão preliminar do Programa de Ações que a SBPC pretende submeter a todos os candidatos à Presidência da República. Apoiando tal iniciativa e pretendendo contribuir para a elaboração da versão final do Programa, o Conselho da Secretaria Regional da SBPC de São Paulo apresenta a seguir algumas considerações.

Em primeiro lugar, observamos que a versão preliminar publicada no JC apresenta aspectos que se chocam com posições históricas defendidas pela comunidade acadêmica. Além disso, algumas considerações lá contidas estão em desacordo com a realidade política do país.

No que diz respeito à reforma universitária, em discussão na Câmara dos Deputados, não há, na comunidade acadêmica, apoio nem ao seu conteúdo nem à forma com que ela está sendo encaminhada.

Há três projetos de reforma universitária tramitando na Câmara: o Projeto de Lei (PL) 4212/04, do deputado Átila Lira, altamente influenciado por interesses privatistas e, apensados a ele, dois outros: o 4221/04, do deputado João Matos, também privatista, e o 7200/06, apresentado pelo Governo. Assim, o projeto de lei do deputado Lira tem precedência sobre os outros dois.

Pedir a conclusão da tramitação da reforma universitária, como faz a versão preliminar do documento apresentado no JC, sem especificar quais pontos são defendidos e quais devem ser eliminados, é extremamente perigoso.

Devemos observar que os três PLs citados tramitam juntamente e em regime de urgência, sendo que o PL do dep. Átila Lira foi pautado no Plenário da Câmara por duas vezes. Ora, essa urgência não é aceitável, pois grande parte das propostas é desconhecida pela comunidade acadêmica e poderá não haver tempo suficiente para as audiências públicas. Cabe, portanto, o pedido da retirada do regime de urgência.

Ainda no que diz respeito ao processo legislativo, o documento publicado no JC afirma que o projeto de reforma universitária deverá ser aperfeiçoado pelo Congresso Nacional. Tal expectativa está em desacordo com a existência dos três Projetos de Lei relacionados ao tema, bem como com o fato de haver 368 emendas ao PL governamental, a grande maioria delas claramente privatista e contrária a posições historicamente defendidas pela comunidade acadêmica.

Como várias das emendas apresentam grande semelhança no conteúdo e nas justificativas apresentadas, é razoável supor a existência de uma estratégia ampla capaz de derrotar os poucos aspectos positivos da proposta governamental.

Diferentemente do que se afirma no documento publicado no JC, não há chance da reforma universitária ser melhorada pela Câmara dos Deputados, tanto do ponto de vista do interesse da população como de um real progresso na educação superior.

Considerando a atual composição da Câmara e a verificação empírica de quanto algumas propostas relacionadas à educação recentemente examinadas e modificadas foram pioradas; não podemos ter a ilusão de uma melhora.

Quanto ao conteúdo da proposta governamental, PL 7200/06, há uma clara legalização da cobrança do ensino em instituições públicas, na medida em que ele redefine o que é ensino (que a Constituição afirma ser gratuito nos estabelecimentos públicos), reduzindo-o apenas à graduação e à pós-graduação stricto sensu.

Assim, viabiliza-se a legalidade da cobrança, em instituições públicas, de outras modalidades de cursos. Além disso, não é explicitada a gratuidade nas instituições estaduais, que são mencionadas conjuntamente com as municipais.

O PL governamental também abre a possibilidade de cursos à distância, inclusive para a pós-graduação, o que é injustificável e indesejável.

O caráter mercantil da educação superior é claramente aumentado no PL 7200/06: explicitamente, por exemplo, na medida em que limita a participação estrangeira apenas ao capital votante e não ao capital total das mantenedoras e implicitamente, na medida em que limita franquias, modalidade típica das atividades comerciais e não das atividades educacionais.

A exigência de doutores nas Universidades (pelo menos 25%) e nos centros universitários (pelo menos 11%) está muito aquém do que permite a realidade nacional atual. O fato do país contar com cerca de 80 mil doutores formados (e cerca de 9 mil novos diplomados a cada ano) viabilizaria exigências muito maiores do que aquelas.

Devemos notar que mesmo essas condições diminutas são rebaixadas ou eliminadas nas emendas ou no PL principal. Além disso, os longos prazos para que as instituições se adaptem a essas exigências choca-se com o que se espera dos planos de pós-graduação no país e com nossos esforços acadêmicos no sentido de formar novos quadros.

Diferentemente de versões anteriores das propostas governamentais, esta re-introduz as listas tríplices de reitor, ao invés de deixar a forma de escolha ser definida nos estatutos das instituições.

Quanto ao financiamento, esperar-se-ia que a SBPC recomendasse a derrubada dos vetos do governo anterior ao Plano Nacional de Educação, em especial ao que se refere a um financiamento da educação pública que tome o PIB como referência, no caso 7%.

Há outros problemas com a proposta governamental. A assistência estudantil é definida como um percentual da verba de custeio, representando, portanto, o perfil acadêmico das instituições e não as necessidades dos estudantes: instituições com verbas de custeio altas terão mais recursos para assistência estudantil, mesmo que atendam a estudantes pouco necessitados. A assistência estudantil deve ser definida em termos da necessidade dos estudantes e não das necessidades de custeio das instituições.

A defesa que o texto publicado pelo JC faz da Universidade aberta e do ensino à distância é incompatível com os anseios das comunidades acadêmica e estudantil e está em desacordo tanto com o que permite e exige a realidade nacional, como com o que se tem praticado em outros países que utilizam essa modalidade de ensino. Em particular, assumir que a problemática da formação inicial de grande parte dos professores de Ciências e de Matemática deva ser enfrentado pelo ensino à distância resultará em um retrocesso para a educação básica.

Além desses pontos específicos sobre a questão educacional, o documento da SBPC faz referências à ligação da política pública de defesa com o esforço nacional de formação de recursos humanos. Tal tema merece uma discussão mais aprofundada na comunidade acadêmica.

A "interação do setor universitário com o empresarial" como consta no documento publicado no JC não está colocada de forma adequada. A Universidade deve interagir com outros segmentos da sociedade levando em consideração as suas finalidades e não a forma jurídica (empresa, órgão público, entidade não governamental, etc) que tenha.

Outro aspecto que deve ser comentado diz respeito à criação de novos fundos. Vincular recursos educacionais a lucros de bancos não é aceitável: uma política educacional não deve depender de outras políticas públicas, como as voltadas a setores financeiros da economia; a educação pública não pode depender de um bom ou mau desempenho do setor bancário (bom desempenho do setor bancário é quando ele tem grandes lucros ou pequenos lucros?); em última instância, caso tal proposta fosse aceita, os educadores e educandos deveriam apoiar políticas que levem a grandes lucros dos bancos?

Para finalizar, recomendamos que as reflexões aqui apresentadas sejam consideradas na elaboração da versão final do Programa de Ações.


Data: 31/08/2006