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Brasil ganha US$ 27 milhões do exterior para tentar conter a tuberculose

Apesar de o controle ser relativamente simples, o País está entre os 15 com maior incidência da doença

José Carlos de Araújo Silva, de 56 anos, cumpre uma rotina diária há quatro meses: faça chuva ou sol, ele vai a uma unidade básica de saúde no centro de São Paulo para tomar uma série de comprimidos na frente de uma enfermeira.

'É melhor porque eu não me esqueço dos remédios.' É essa história que o Fundo Global contra Aids, Tuberculose e Malária espera disseminar no Brasil com a doação de US$ 27 milhões (cerca de R$ 58 milhões), recebidos ao longo de cinco anos. A primeira parcela chega até o fim de setembro.

Silva segue uma estratégia de tratamento recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) há dez anos - que prega o monitoramento diário dos pacientes -, mas que ainda dá seus primeiros passos aqui.

Isso apesar de ela ter sido abraçada pelo governo há sete anos e o País se encontrar na 15ª posição no ranking das 22 nações com mais doentes no mundo.

'Não devemos achar que 5 mil óbitos são pouca coisa. Temos um índice de quase 50 pessoas com tuberculose em 100 mil habitantes. É uma situação grave, um problema de saúde pública', diz Ezio Távora dos Santos Filho, coordenador do projeto no País.

O dinheiro será aplicado em dez regiões metropolitanas e Manaus. Os focos são mobilização social, convencimento de gestores, profissionais de saúde e convênios, aprimoramento dos laboratórios de análise clínica e melhoria da vigilância epidemiológica.

São ações amplas, bancadas inicialmente pelo fundo - a tendência é que o governo absorva o custo até o fim do prazo.

O governo gastou R$ 118 milhões entre 2003 e 2006 neste programa, e promete investir o mesmo valor até 2007. Mas o gasto é pulverizado em coordenação, monitoramento e supervisão.

A doação é a chance de o País impulsionar de vez o programa, pois não será consumida em atividades cotidianas.

Situação constrangedora

De 1999, quando o País assumiu as recomendações da OMS, até 2004, já com a nova administração federal, pouco avanço foi alcançado.

Houve demora dentro do ministério para que o problema fosse atacado prontamente. 'O programa tem excelência técnica, mas perdeu tempo', diz Jarbas Barbosa, secretário nacional de Vigilância em Saúde.

Segundo o epidemiologista Antonio Ruffino-Neto, ex-coordenador do programa do Ministério da Saúde, outro agravante foi a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS).

A descentralização da gestão de saúde permitiu que a estratégia variasse de acordo com o Estado, o município e até o bairro. Enquanto a favela da Rocinha, no Rio, é tida como exemplo de sucesso, o município como um todo é problemático.

Margareth Dalcomo, coordenadora do ambulatório do Centro Nacional de Referência Prof. Helio Braga, no Rio, concorda: 'A descentralização fez com que Estados e municípios seguissem ritmos diferentes.'

Ela conta ser 'muito constrangedor' explicar por que tanta gente morre de tuberculose no Brasil. 'O diagnóstico é simples, o tratamento é gratuito e eficaz. Mas a estrutura do serviço é inadequada e falta acesso universal a esta estratégia.'

Fácil de pegar e de tratar

A tuberculose é uma doença respiratória, mas pode ser ativada em qualquer órgão além do pulmão.

É causada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis e transmitida pelo ar sempre que uma pessoa doente tosse, espirra ou fala. Locais fechados, como cadeias e asilos, são propícios para sua proliferação, assim como ambientes prosaicos como um metrô lotado.

Calcula-se que um terço da população já tenha se infectado, mas apenas uma parcela desenvolve a doença.

Assim como é fácil pegar e repassar, é simples tratar: dentro de seis a oito meses a pessoa está curada, e no primeiro mês pára de repassar a bactéria. Logo os sintomas passam.

Aí reside o perigo. Ao sentir-se melhor, o paciente com freqüência abandona os remédios. Assim, ele pode voltar a adoecer e transmitir para outros sem saber.

Doença é a que mais mata portadores do vírus da aids

A tuberculose é a principal causa de morte em quem tem aids - no Brasil e no mundo.

Em princípio, qualquer pessoa que esteja imunodeprimida, ou seja, com a resistência mais baixa do que o normal, é mais suscetível a desenvolver a doença. Então é simples entender por que 10% dos pacientes de tuberculose também portam o HIV.

Tratar essa população é mais complicado do que o normal. A recuperação é mais lenta e a quantidade de remédios para controle de ambas as patologias sobrecarrega o fígado, o que reduz sua potência e eficiência. O tratamento, no fim, pode trazer ainda mais problemas.

Algumas novas drogas ainda estão em desenvolvimento. Seis delas estão em estágio avançado. Segundo Brad Tytel, da Aliança Global para o Desenvolvimento de Novas Drogas para a Tuberculose, um novo regime é esperado para 2014, caso os testes clínicos em curso sejam bem-sucedidos.

Além disso, há algumas vacinas em pesquisa. Uma dela é brasileira, criada por Célio Lopes da Silva, da Universidade de São Paulo (USP), e tem função terapêutica.

Mas, como apresentou uma resposta animadora contra cânceres de cabeça e pescoço, seus testes clínicos com humanos têm sido focados no tratamento de tumores.


Data: 30/08/2006