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Reprova Brasil, artigo de Magno de Aguiar Maranhão

Alunos com defasagem idade-série requerem reforço na aprendizagem e atenção individual e, se a maioria está neste caso, que às escolas em que estudam seja assegurada infra-estrutura para atendê-los adequadamente.

Magno de Aguiar Maranhão - Presidente da Comissão de Legislação e Normas do Conselho Estadual de Educação do RJ



Os resultados do Prova Brasil, exame aplicado a 3,3 milhões de alunos da 4ª e 8ª séries em 41 mil escolas de 5.418 municípios, confirmaram o que já fora evidenciado pelas provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), antes aplicado a cada dois anos, por amostragem, a alunos destas séries e concluintes do ensino médio: o ensino público não tem sucesso em suas tarefas mais elementares, isto é, fazer que crianças aprendam a ler, escrever e contar.

Mais de 50% das que estão na 4ª série mal decifram textos simples e são fracas ao lidar com números, não realizando sequer uma simples divisão. As lacunas se refletem no mau desempenho das que tiveram a sorte de alcançar o fim do ensino fundamental (de cada 100 alunos da 1ª série, só 59 chegam à 8ª e 40 ao fim do ensino médio).

Confirmou-se, ainda, que o governo federal continua ótimo nos diagnósticos e ineficaz nas soluções.

O Saeb, realizado de 1995 até 2003, abriu um panorama inédito, e preocupante, da educação básica brasileira e dos fatores que interferem no aprendizado, como a origem social dos alunos e a infra-estrutura dos estabelecimentos.

Então, por que universalizá-lo, em vez de investir no ataque aos problemas detectados? O órgão justifica que, agora, com sua própria avaliação, cada escola poderá identificar seus pontos fracos e corrigi-los.

Contudo, professores e gestores estão cansados de saber por que seus alunos vão mal e agradeceriam se lhes fornecessem o básico para um desempenho satisfatório - bibliotecas, computadores, turmas menores, turnos maiores, segurança, etc. Sem isso, o que farão com as notas do Prova Brasil? Lamentar? Aguardar o Fundeb?

Há déficits que só serão preenchidos com recursos e vontade do governo. Se não é possível, em curto prazo, solucionar questões que obstruem a trajetória escolar dos estudantes (como o baixo capital cultural e a pobreza das famílias), deve-se possibilitar às escolas compensar carências que puxam para baixo a qualidade do ensino e deságuam nas médias baixas do Prova Brasil: as da 4ª série foram de 172,9 em leitura (estágio crítico de aprendizado, que vai até 175 pontos) e 179,9 em Matemática (estágio intermediário), e as da 8ª foram 222,6 em leitura e 237,4 em Matemática (intermediário em ambos os casos). A escala vai até 350 pontos e o estágio adequado exige um mínimo de 250.

Vamos citar alguns exemplos da influência da escola, destacados pelo Inep/MEC ao analisar as notas do Saeb 2003, do qual participaram 300 mil crianças e jovens de 6.270 escolas das 27 unidades da Federação.

O uso de uma biblioteca dentro da escola afeta decisivamente o aprendizado. Quando 25% dos alunos faziam uso efetivo desse espaço, sua média de proficiência nas provas era de 168 pontos; se mais de 75% a freqüentavam, a média chegava a 181 pontos e, se os professores realizavam atividades dirigidas nesse ambiente, havia ganhos ainda mais significativos na aprendizagem.

Quando ele simplesmente não existia, a média ficava em torno de 153 pontos. Infelizmente, só 52,8% dos alunos da educação básica contam com bibliotecas.

A passagem anterior pela educação infantil também se revelou crucial. Alunos da 4ª série que freqüentaram pré-escola atingiram 171 pontos em leitura, ante 151 dos demais.

Entretanto, das crianças de famílias com rendimento até meio salário mínimo, apenas 8% freqüentavam creches ou escolas em 2003; nas famílias com renda superior a cinco salários, esse porcentual era de 28,3%, ou 3,5 vezes maior.

No grupo de 4 a 6 anos também se verificou a desigualdade: 60,8% das crianças de famílias menos favorecidas freqüentavam pré-escola, ante 94,6% das nascidas em famílias com melhores rendimentos.

A repetência é outra das pragas do ensino público: a taxa nacional é de 21%, o que nos coloca entre os campeões internacionais deste triste ranking. De acordo com o Inep, alunos que nunca foram reprovados alcançaram média 180 no Saeb, mas a média dos que foram reprovados uma vez despenca para 146.

Entre os que nunca abandonaram a escola, a média foi de 172, ante 149 dos que o fizeram uma vez. Lamentavelmente, calcula-se que nas redes públicas 19,5% dos alunos já abandonaram os estudos ao menos uma vez e nos cursos noturnos essa proporção chega a 35%.

Segundo a Sinopse Estatística da Educação Básica do Inep, mais de 2 milhões abandonaram o ensino fundamental em um ano (no ensino médio, mais de 1 milhão). Em resumo: 29% dos alunos nem sequer chegam à 5ª série e cerca de 50% abandonam a escola antes de concluir o ensino obrigatório. Os demais levam 10,2 anos para fazê-lo.

Outra agravante é a defasagem idade-série: alunos que estavam na idade correta para a série que freqüentavam tiveram média 183; os com um ano de atraso, 20 pontos menos.

O dramático é que 64% dos alunos que têm 14 anos e deveriam, portanto, estar concluindo o ensino fundamental estão atrasados. Devemos ressaltar, ainda, que também neste caso a origem das crianças é fator determinante para o sucesso ou fracasso da trajetória escolar: segundo o IBGE, 18,7% dos filhos de famílias cuja renda per capita é inferior a meio salário mínimo já chegam atrasados à 1ª série, etapa que registra o maior índice de abandono (14,2%) e repetência (36,2%).

Entre crianças que vivem em famílias com renda per capita superior a dois salários, a taxa de atrasados cai para 9,3%.

Se as escolas não podem mudar estes fatos, devem ao menos se adaptar a eles. Alunos com defasagem idade-série requerem reforço na aprendizagem e atenção individual e, se a maioria está neste caso, que às escolas em que estudam seja assegurada infra-estrutura para atendê-los adequadamente.

Igualmente, deve-se garantir que todas possam adotar medidas que comprovadamente têm impacto positivo na qualidade do ensino. Enquanto este mínimo não for feito, as notas do Prova Brasil estarão atestando a incapacidade dos poderes públicos de oferecer à população algo que se pareça com educação.


Data: 30/08/2006