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Alerta sobre a Aids, editorial da "Folha de SP"

Custo da distribuição gratuita de drogas contra o HIV sobe, pondo em xeque a sustentabilidade do programa de combate

Editorial publicado nesta segunda-feira, 28/08.



A aclamada política brasileira de combate à Aids, baseada na prevenção e no acesso universal dos doentes a medicamentos, pode se aproximar da exaustão.

Faltaria uma atitude decidida do governo federal na área sensível da propriedade intelectual, alertam especialistas e militantes do setor. Sem ela, o custo de distribuir gratuitamente os anti-retrovirais pode tornar-se proibitivo e insustentável.

O alerta já circula há algum tempo entre ativistas. Chegou ao periódico científico americano "Science". Antes da 16ª Conferência Internacional sobre Aids, encerrada dia 18, a revista publicou um dossiê de 24 páginas sobre o panorama mundial da síndrome, três delas sobre o Brasil, em tom de preocupação.

O balanço de uma década do programa é amplamente positivo. Graças a ele, nunca se verificou a projeção alarmista do Banco Mundial, feita em 1992, de que no ano 2000 haveria 1,2 milhão de HIV-positivos no país. São 600 mil, atualmente.

Segundo a "Science", citando dados do Ministério da Saúde, a mortalidade por Aids caiu 50% de 1996 a 2002. Noventa mil mortes foram evitadas; ao mesmo tempo, houve economia de US$ 1,2 bilhão com gastos hospitalares. Hoje, 172 mil pacientes recebem os anti-retrovirais.

O cerne da preocupação se encontra no custo por paciente da distribuição. Ele partiu de US$ 6.240 anuais, em 1997, e caiu até US$ 1.336, em 2004. No ano passado, saltou para US$ 2.500.

Por trás da queda vertiginosa esteve uma bem-sucedida política de fabricação e importação, mas também uma tensa negociação com a indústria.

Não faltaram ameaças de licenciamento compulsório. Trata-se de medida justificável, prevista -em caso de emergência de saúde pública- nas regras da Organização Mundial do Comércio sobre propriedade intelectual. Já a disparada do custo em 2005 se explica pelo preço crescente das novas gerações de medicamentos.

Drogas como efavirenz, lopinavir/ritonavir, tenofovir e T-20 são mais eficientes, mas importadas a peso de ouro. Isso forçou o governo a aumentar em 72% o desembolso, nos últimos quatro anos.

Nesse ritmo, em 2008 o país despenderia R$ 1,25 bilhão ao ano para medicar 215 mil HIV-positivos. O gasto hoje é de R$ 945 milhões, 82% dos quais com a importação de nove drogas (outras oito são fabricadas no Brasil).

Em junho passado, o governo ameaçou quebrar a patente de três medicamentos. Voltou atrás e à mesa de negociações, que consumiram meses. Terminou por obter reduções de até 50%.

Na Conferência Internacional, a diretora do Programa Nacional de DST/Aids, Mariângela Simão, reafirmou o acesso universal como eixo da política brasileira. Alertou, ainda, para as dificuldades erguidas por regulamentos internacionais.

Há razões para crer que logo o governo terá de endurecer novamente a negociação, recorrendo ao instrumento de pressão da quebra de patentes -além da política de ampliar a gama e a quantidade de anti-retrovirais feitos no país.


Data: 28/08/2006