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O mundo do amanhã: Correndo contra a esteira, artigo de Ariosto Holanda

O desenvolvimento de mecanismos de capacitação da população será a única alternativa de geração de trabalho num mundo em rápida e permanente transformação tecnológica

Ariosto Holanda - Engenheiro Civil e ex-secretário de Ciência & Tecnologia do Estado do Ceará.


Com a economia globalizada e com as freqüentes inovações tecnológicas, não podemos falar em trabalho sem colocar como carro chefe o conhecimento, que deve ser perseguido em todos os níveis da educação.

A geração de trabalho torna-se complexa porque temos pela frente um avanço tecnológico crescente e uma grave questão social traduzida pela pobreza, analfabetismo e concentração de renda.

Estima-se que hoje exista uma população aproximada de 17 milhões de analfabetos, 50 milhões de pobres e 22 milhões de pessoas sem qualificação profissional. Como o trabalho é a única forma digna de combater a miséria, devemos com urgência, encontrar respostas para os seguintes questionamentos:

- Como fazer ingressar num sistema produtivo eficiente essa quantidade de analfabetos, que hoje chega a ser da ordem de 17 milhões de brasileiros?;

- O que fazer com milhões de trabalhadores cuja força de trabalho é cada vez menos exigida, ou nem mais o é?;

- Como distribuir renda com pessoas sem qualificação profissional, principalmente, nesse momento em que a explosão tecnológica que ocorre no mundo está a exigir cada vez mais das pessoas atualização permanente de seus conhecimentos?;

- Como superar as desigualdades regionais quando se tem a consciência de que elas aumentam com a concentração do conhecimento?

Fala-se muito em cluster, em empreendedorismo, em cadeia produtiva, em empresa de base tecnológica, em incubadoras de empresa, como formas de desenvolvimento; mas não se fala em acabar com o analfabetismo tecnológico da população, das pequenas empresas e dos pequenos negócios.

Por isso, torna-se urgente uma ação de massa voltada para apoio tecnológico às micro e pequenas empresas e para implantação de um amplo programa de ensino tecnológico baseado, sobretudo, nas vocações das regiões.

O discurso do crescimento econômico como fórmula de geração de trabalho, diante dessa massa de excluídos, torna-se inócuo porque poderemos ter aumento significativo do PIB sem que isso implique em geração de um grande número de empregos. Isso porque as empresas dentro da atual lógica de crescimento, e não podem fugir dela, serão cada vez mais intensivas em capital e menos mão de obra.

Tecnologia e trabalho

O século XXI vai se caracterizar por mudanças rápidas na área tecnológica onde a única certeza vai ser a incerteza. Como diz o professor Wladimir P. Longo: "Estamos todos nos deslocando sobre uma esteira rolante que se move em sentido contrário a velocidades crescentes trazendo novos conhecimentos; temos que correr para ficar pelo menos no mesmo lugar".

Esse avanço tecnológico, conclui o professor, vai resultar no aprofundamento do conhecimento de poucos e no aumento da ignorância de muitos. São consideradas áreas estratégicas do conhecimento frente às inovações: ciências biológicas, biotecnologia, engenharia genética, química fina, energia, telecomunicações, informática, novos materiais, microeletrônica, mecânica fina, robótica e mecatrônica.

As grandes aplicações desses conhecimentos se darão nas indústrias de: telemática, bélica, transporte, robótica, bens de consumo, aeroespacial, na agricultura voltada para genética animal, genética vegetal, doenças e pragas. E nos serviços relacionados com automação, informação, educação, lazer e saúde.

Estudos mostram que, num futuro próximo, a indústria e a agricultura serão cada vez mais intensivas em capital e menos em mão de obra.

A automação industrial e o avanço da mecanização agrícola com certeza vão acelerar esse processo. As fábricas sem operários e as empresas virtuais surgirão cada vez mais, dia a dia. Estima-se que em 10 anos, nos países desenvolvidos, somente 10% dos trabalhadores estarão nos setores primário e secundário, e que a terceirização, ou seja, a área de serviços será a grande demandadora de mão-de-obra.

Apesar disso, estima-se que poder-se-ia economizar 51% dos empregos no comércio e até 61% na administração pública e nos bancos. Do ponto de vista social e da ameaça do desemprego, isso é extremamente grave.

Novos campos profissionais surgirão com o desenvolvimento tecnológico. As atividades a eles inerentes beneficiarão apenas uma pequena elite global e virtual. Vamos nos deparar com situações onde teremos de um lado pessoas procurando emprego e na contra-mão trabalho procurando profissional.

Profissões vão surgir e em curto tempo desaparecer; do mesmo modo que postos de trabalho vão exigir habilidades e conhecimentos que em pouco tempo serão substituídos. O profissional para subsistir terá que ser um eterno estudante.

Há, diante desse quadro, uma urgência de criarmos mecanismos, ágeis e flexíveis, de transferência de conhecimentos para a população, como verdadeiros atalhos, que avancem sobre os procedimentos tradicionais da educação. Existe uma grande massa de trabalhadores sem esperança de emprego por total desqualificação profissional.

Hoje, se houvesse um reaquecimento da economia, com novos investimentos em áreas de alta tecnologia, esses trabalhadores não entrariam no mercado de trabalho.

Temos que ousar e partir para um processo de interação com a sociedade do tipo Educar Trabalhando e Trabalhar Educando. Ao lado do mecanismo educacional deve ser perseguida a implantação de um amplo sistema de informação tecnológica no sentido de proporcionar aos pequenos segmentos produtivos, hoje, mergulhados num verdadeiro analfabetismo tecnológico, condições de conhecer e de apropriar novas tecnologias.

Por tudo isso defendemos um novo modelo de desenvolvimento que tenha como alvo não o crescimento econômico em si, mas o desenvolvimento sócio-econômico que leve em conta as pessoas, que saia da lógica do desenvolvimento com base no mercado para a lógica da social democracia, onde o Estado deve exercer o papel regulador do processo de desenvolvimento, e que tenha na educação, ciência e tecnologia o suporte basilar para o seu desenvolvimento.

Que seja um Estado que abra o mercado na área de serviços e de produtos, para os pequenos negócios, tipo compra e serviços governamentais.

O que o governo (municipal, estadual e federal), compra ou contrata, que pode ser feito pelo pequeno? Há que se definir programas de geração de trabalho voltados para essa massa de trabalhadores desempregados. Programas como o de produção do biodiesel poderiam se constituir no maior programa de reforma agrária do país.

Para finalizar, torna-se oportuno transcrever a entrevista com o camponês Cícero dos Santos no livro "A Questão Política da Educação": "O senhor diz que até poderia ser diferente não é assim? Que não é só para ensinar aquele ensinozinho apressado, para ver se velho aprende o que menino não aprendeu. Então podiaser tipo de educação até fora da escola, da sala. Que fosse assim dum jeito misturado com o de todo dia da vida da gente daqui. Que podia ser um modo desses de juntar saber e clarear os assuntos que a gente sente mas não sabe. Então era bom. O povo vinha".


Data: 28/08/2006