Ameaças à agricultura e perspectivas da pesquisa - Artigo de Carlos R. Spehar
A pesquisa em instituições públicas deverá fortalecer o seu papel de alavanca, como a adaptação pioneira da soja às baixas latitudes, em décadas passadas
Carlos R. Spehar - Pesquisador da Embrapa Cerrados
O grande desafio da pesquisa, nas gerações vindouras, será resgatar a co-existência de humanos e os demais seres. Esta, realizada durante milhares de anos, encontra-se ameaçada de extinção na agricultura moderna, agravada pelas grandes instabilidades climáticas resultantes da ação humana.
Sem o convívio perde-se a perspectiva de avanço do conhecimento e geração de tecnologia sobre o cultivo das plantas, reduzindo-se a competitividade agropecuária.
O menor convívio, exacerbado pela crescente homogeneidade agrícola, tem resultado em diminuição na variabilidade genética e na ocorrência das espécies silvestres de comunidades vegetais.
A diversidade, que se reflete na luxuriante vida dos ambientes tropicais, tem sido drasticamente substituída por "commodities" homogêneas, comprometendo todo um conjunto de tecnologia desenvolvida pela pesquisa.
Em artigo anterior (JC, 02-08-2006), comentamos sobre os efeitos das mudanças climáticas globais no cultivo e dispersão de plantas, ampliando sua abrangência, com conseqüentes ameaças à agricultura.
Contrabalançando com esse cenário negativo, os sistemas de cultivo têm grandes perspectivas de avanço, apoiados por técnicas modernas, como a biologia molecular.
Esta ferramenta possibilitará acelerar o melhoramento genético de plantas e animais; recuperar e aumentar a diversidade e a variabilidade; aprofundar o conhecimento em biologia; ampliar a percepção sobre o funcionamento individual e interativo entre os seres componentes de um sistema, melhorando a compreensão sobre os efeitos de variações ambientais na expressão gênica.
Seleção recorrente, assistida por marcadores moleculares, despontará como alternativa eficiente e complementar ao melhoramento tradicional para características poligênicas.
Observação, fator-chave na seleção praticada durante milênios de agricultura tradicional, deve ser intensificada, em apoio à atuação científica. Não há substituto para a observação e a ciência começa com ela.
Permitirá recuperar híbridos entre espécies cultivadas e silvestres próximas, resultando na transferência de genes e alelos condicionantes de adaptabilidade.
Esse fenômeno, ocorrendo de forma espontânea em várias plantas cultivadas, como nas famílias de crucíferas, asteráceas e amarantáceas, pode-se ampliar.
Assim, dever-se-ão encontrar genes de resistência à acidez do solo, elevados teores de alumínio, eficiência na utilização e na disponibilidade de nutrientes e água.
O amaranto granífero cultivado é um exemplo de aproveitamento dessa introgressão gênica. Cruzamentos interespecíficos de A cruentus x A. retroflexus ou A. viridis, tornam viável a transferência de genes, no sentido de melhor adaptar o cultivo a condições adversas.
Dentre as possibilidades de contornar limitações impostas pela agricultura moderna, uma delas é a manutenção de áreas povoadas por espécies silvestres associadas aos cultivos, para manutenção de bancos de genes e estudos da sua biologia.
Será equivalente a "cultivar" plantas invasoras ou indesejáveis, complementada pela amostragem de progênies nas diversas espécies, seguida pela sua caracterização, conservação e uso.
Uma ação representando a quebra de paradigma será a identificação de genes domesticação nas espécies silvestres. A seleção de tipos menos agressivos, sobre os quais se tenha algum tipo de controle nas fases biológicas, pode contribuir na mudança de populações, adaptando-as ao o manejo integrado.
A identificação de genes condicionantes de características funcionais e estabilidade de rendimento, a partir das espécies silvestres possibilitará sua transferência a espécies cultivadas diretamente ou por manipulação molecular.
Estudos de dinâmica populacional, sob diferentes condições de solo e de associação com espécies cultivadas e silvestres concorrentes, deverão contribuir à melhor compreensão das interações, resultando em manejo racional.
O conseqüente conhecimento dos potenciais e limites biológicos das espécies vegetais levará à descoberta de formas de interferência, úteis na programação de sistemas produtivos.
A função como indicadoras dos condicionantes de solo deverá ser mais bem explorada. Espécies e comunidades serão analisadas diante dessa perspectiva, contribuindo ao monitoramento dos sistemas agrícolas.
A pesquisa em instituições públicas deverá fortalecer o seu papel de alavanca, como a adaptação pioneira da soja às baixas latitudes, em décadas passadas.
As plantas menos exploradas não atraem, em um primeiro momento, a iniciativa privada. Portanto, espécies potenciais, que contribuem para diversificar a agricultura e as fontes de alimentos e matéria-prima, deverão ser contempladas.
Esta é uma oportunidade real que trará dividendos às instituições públicas.
No conjunto de ações, a pesquisa, enfocada de forma estratégica, contribuirá para consolidar os benefícios até então alcançados. Há oportunidades extraordinárias de estabelecer novos paradigmas aos sistemas de cultivo, com base na exploração diversificada.
A seguir, encontram-se sugestões, que manterão a vanguarda da pesquisa, na superação das limitações e ameaças comprometedoras do futuro: I) Melhoramento genético participativo das espécies; II) Criação de centro de apoio à diversificação da agricultura; III) Identificação de formas de uso e iniciação de cadeias produtivas; IV) Aperfeiçoamento de manejo integrado; V) Ampliação conceitual e operativa da domesticação; VI) Aperfeiçoamento da agricultura tradicional; VII) Criação de centro de estudos avançados em agroecologia; VIII) Monitoramento de impacto sobre o agro-ecossistema.
Data: 25/08/2006
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