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Fuga de células: Cingapura, com incentivo fiscal e leis de bioética mais libertárias, acolhe êxodo de cientistas americanos

Para muitos cientistas, a liderança em ciência médica básica que os EUA mantêm desde a Segunda Guerra Mundial está ameaçada

É proibido vender chicletes de hortelã em Cingapura. Mas e células-tronco embrionárias humanas? Aí é uma outra história.

No mês passado, uma empresa local, a ES Cell International, foi a primeira companhia a produzir comercialmente linhagens de células-tronco embrionárias que servem para testes clínicos. Os pesquisadores podem comprá-las por cerca de R$ 12 mil o frasco.

Cingapura, país conservador em vários aspectos - incluindo a venda de gomas de mascar - está emergindo como um paraíso para a pesquisa de células-tronco graças a leis liberais nesse campo e financiamento governamental.

Recentemente, a ambição da ilha de se tornar um centro mundial de biotecnologia ganhou a inesperada ajuda da Casa Branca.

As restrições que o governo Bush impõe para o financiamento de pesquisas com células-tronco incentivam cada vez mais cientistas a se mudarem para lá.

Dois dos melhores pesquisadores dos EUA em oncologia, Neal Copeland e Nancy Jenkins, do Instituto Nacional do Câncer, em Maryland, vão se mudar para ilha em setembro.

Eles
assumirão postos no Instituto de Biologia Molecular e Celular. Para Copeland, a falta de dinheiro foi um fator crucial. "Temos a maior colônia de camundongos dos EUA, e custa caro manter isso", diz.

O veto do presidente Bush à legislação que pretendia subir o limite para financiamento federal de pesquisas com células-tronco foi o último de uma série de entraves que vem sufocando o ambiente de pesquisa.

Para muitos cientistas, a liderança em ciência médica básica que os EUA mantêm desde a Segunda Guerra Mundial está ameaçada.

Verba escassa, sede de lucros rápidos e o bombardeio às células-tronco deixaram muitos cientistas americanos frustrados. Mas Cingapura já estava à espreita com coragem e dinheiro.

A ilha autoritária começou então a ganhar reputação como oásis da liberdade biomédica.

O motivo é econômico. Frente à queda dos lucros com componentes eletrônicos no ano 2000, a nação começou a apostar na biotecnologia.

"Era parte de uma estratégia para diversificar a base de nossa economia e somar a ela um setor de pesquisa intensiva", diz Beh Swan Gin, do Conselho de Desenvolvimento Econômico do país.

A biotecnologia se junta a um crescente portfólio de indústrias que Cingapura está promovendo.

A nação está rapidamente se tornando um grande centro de bancos privados, por exemplo, e quer construir dois hotéis-cassino de luxo para reavivar o turismo.

Usando a mesma fórmula de isenção fiscal temporária com subsídios que construiu a base para os maiores fabricantes de componentes eletrônicos do mundo, Cingapura já conseguiu seduzir algumas multinacionais farmacêuticas.

Fábricas terceirizadas que produzem drogas para Merck, Pfizer e Schering-Plough hoje geram 18 bilhões de dólares cingapurianos (R$ 24 bilhões) de receita anual e compõem 5% da economia do país.

Mas Cingapura quer ter mais do que fábricas de comprimidos. Para convencer empresas a investir em pesquisa básica e desenvolvimento de drogas, o governo se dispôs a pagar até 30% dos custos de construção de novas instalações.

E pelo menos um terço das empresas manifestou interesse, incluindo a gigante suíça Novartis, que abriu na ilha um instituto para pesquisar drogas contra tuberculose e dengue.

O núcleo da iniciativa de biotecnologia de Cingapura é a Biopolis, um complexo biomédico de sete prédios inaugurado em 2003.

Além de laboratórios com equipamento de última geração, o centro abriga um bar, uma creche e um biotério subterrâneo com capacidade para 250 mil camundongos.

Autoridades estão construindo agora um banco de células-tronco na Biopolis que poderá contar com leis bastante liberais em relação ao uso de células humanas embrionárias.

Cientistas dizem esperar que as células-tronco embrionárias possam ser usadas para tratar problemas tão variados quanto doenças cardíacas e lesões nervosas.

E, diferentemente dos EUA, Cingapura permite o uso de células-troncos de fetos abortados ou embriões descartados. Esses embriões podem ser clonados e mantidos vivos por até 14 dias para produzir culturas de laboratório.

De mudança para Cingapura, Neal Copeland diz que sua preocupação já não é mais arranjar dinheiro para alimentar camundongos, mas sim descobrir como transportar sua adega pessoal de Maryland até lá.


Data: 21/08/2006