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Cientistas brasileiros descobrem novo mecanismo contra obesidade

Pesquisa com camundongos transgênicos na Unifesp identificou fatores que influenciam acúmulo de gordura

Cientistas brasileiros encontraram um novo caminho para combater a obesidade. A descoberta foi feita com a ajuda de camundongos geneticamente modificados, desenvolvidos ao longo dos últimos cinco anos na Universidade Federal de SP (Unifesp).

Os animais possuem um gene desligado em seu DNA que permite que eles comam gordura à vontade, sem engordar.

O segredo está numa molécula chamada receptor B1, que fica na membrana das células e regula a ação de pequenas proteínas conhecidas como cininas - principalmente no tecido adiposo.

A ausência desses receptores nos animais transgênicos inicia uma reação em cadeia, que acaba por acelerar o metabolismo e reduzir a formação de células de gordura.

"O animal fica completamente protegido contra a obesidade", diz o pesquisador Marcelo Alves da Silva Mori, doutorando do Laboratório de Biologia Molecular do Departamento de Biofísica da Unifesp.

As cininas e seus receptores interagem molecularmente como uma chave e fechadura, respectivamente. A proposta terapêutica dos cientistas seria produzir uma molécula antagonista, capaz de bloquear o encaixe dessas duas peças e, com isso, evitar o acúmulo de gordura no organismo.

Moléculas com essas características já existem e o grupo entrou com pedido de patente para sua aplicação no tratamento da obesidade. "Se um indivíduo tomasse esse inibidor, poderia, teoricamente, desenvolver a mesma resistência que os camundongos transgênicos", acredita Mori.

Os animais nocautes (como são chamados, por terem um gene "nocauteado") foram apenas o modelo usado para identificar esse mecanismo.

"Se você quer descobrir a função de um gene, uma das ferramentas mais poderosas é produzir um animal transgênico", explica o pesquisador do Departamento de Biofísica e diretor-geral do Centro de Desenvolvimento de Modelos Experimentais em Medicina e Biologia (Cedeme) da Unifesp, João Bosco Pesquero, que supervisiona o projeto.

Nesse caso, o gene nocauteado foi o que contém as instruções para produção das proteínas que constituem os receptores B1.

Conseqüentemente, os receptores não são produzidos no animal e fica muito mais fácil para os cientistas identificar a função deles no organismo.

Alteração hormonal

O que os cientistas observaram foi uma redução significativa dos níveis de dois hormônios: leptina e insulina, que regulam a ingestão alimentar e o metabolismo. "Ou seja, quanto você come e quanto você gasta", simplifica Pesquero.

A leptina é produzida principalmente no tecido adiposo e funciona como uma molécula sinalizadora, que avisa o cérebro quando o organismo está saciado. Já a insulina participa do processo de diferenciação e formação das células de gordura.

No que dependesse da falta de leptina, portanto, o camundongo deveria comer mais. Mas não. "Ao mesmo tempo que há uma redução da quantidade de hormônio, há um aumento muito grande de sensibilidade à leptina", explica Pesquero.

"O animal come a mesma quantidade de alimento, mas produz menos gordura e gasta mais energia".

Os camundongos transgênicos não engordaram nem mesmo quando alimentados com uma dieta hiperlipídica, com quatro vezes mais gordura (45% de lipídeos, contra 11% da ração tradicional).

Enquanto os animais do grupo controle (não transgênico) engordaram 30% em dois meses, os nocautes permaneceram no mesmo peso, como se estiverem ingerindo uma dieta normal.

Os receptores de cininas B1 e B2 têm participação bem conhecida em processos de dor e inflamação. A pesquisa da Unifesp, porém, é a primeira a mostrar o envolvimento dessas proteínas também no metabolismo alimentar. "É uma porta enorme que se abre", observa Pesquero.

A obesidade é um dos principais problemas de saúde no mundo, principalmente nos países ricos e cada vez mais, também, nos países pobres. No Brasil, segundo o IBGE, cerca de 11% da população (10,5 milhões de pessoas) está obesa - mais que o dobro de duas décadas atrás.

O interesse da ciência no tema, portanto, também é crescente. Em uma pesquisa publicada no início do mês, cientistas do Instituto de Pesquisa Scripps, na Califórnia, desenvolveram uma vacina que, assim como no projeto da Unifesp, permitiu que ratos comessem gordura sem engordar.

O alvo do experimento, nesse caso, foi outro hormônio: a grelina.


Data: 14/08/2006