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Ultra-som prejudica cérebro de roedor

Estudo diz que técnica de exame afeta desenvolvimento neural de fetos durante gravidez de fêmeas de camundongo. Conclusão não pode ser extrapolada para humanos, diz cientista; grupo quer fazer testes com macacos para avaliar melhor o risco

Fetos de camundongo expostos a vibração de ultra-som tiveram problemas de formação cerebral, revela um experimento conduzido por cientistas da Universidade Yale (EUA).

Segundo o grupo, roedores cujas mães tivessem sido submetidas à técnica de exame prolongadamente -mais de 30 minutos contínuos - eram mais propensos a apresentar problemas.

O estudo, publicado hoje no periódico científico "PNAS", traz evidências estatísticas. Em média, os animais expostos tiveram mais neurônios que não se posicionaram nos locais corretos do córtex (a superfície do cérebro) durante o desenvolvimento embrionário.

Nos fetos, os neurônios de córtex nascem no interior do cérebro e têm de migrar até a periferia.

O neurocientista Pasko Rakic, líder do grupo que fez o experimento, afirma que os resultados são motivo para cautela, mas não é possível extrapolar conclusões e dizer que o mesmo acontece com seres humanos.

"O ultra-som é uma ferramenta de diagnóstico importante e não deve ser abandonada, mas nas não acho que se deva fazer imagens dos embriões quando não for necessário", disse Rakic à Folha. "Muitos casais gostam de fazê-lo apenas para obter "fotos" do bebê".

Os resultados obtidos por Rakic foram, de certa forma, inesperados. Há pouca evidência epidemiológica mostrando riscos significativos do uso de ultra-som reunida nas últimas três décadas, desde que a técnica tem sido usada na medicina fetal, e boa parte dela é inconclusiva.

Para avaliar melhor o risco que a técnica oferece para humanos, Rakic quer recolher dados de exames com macacos, animais evolutivamente mais próximos do Homo sapiens.

"Já começamos os testes, mas devemos levar uns três anos para terminar", diz. Testes em humanos não podem ser feitos com o mesmo método, porque as cobaias recém-nascidas têm de ser sacrificadas para análise.

"Humanos têm cérebro maior e com mais células, e é possível argumentar que o efeito seria menor; será bom se descobrirmos isso", diz Rakic. "Mas também é possível argumentar que, em um cérebro grande, a rota de migração dos neurônios até o córtex é maior, e uma célula corre mais risco de" se perder" no caminho".

O cientista afirma que ainda não sabe a causa do efeito ruim do ultra-som sobre roedores. "Não conhecemos mecanismos, apenas fenômenos", diz.

"Para isso seria preciso observar células ao longo do tempo, e é muito difícil ver quais delas são afetadas, mas estamos tentando criar um método".

Risco para humanos ainda é matéria controversa, dizem especialistas da área

O experimento de Rakic foi encarado com ceticismo por especialistas da área, já que maioria das observações em crianças humanas não apontam problemas no ultra-som

O experimento de Rakic foi encarado com ceticismo por especialistas da área, já que maioria das observações em crianças humanas não apontam problemas no ultra-som.

"Alguns estudos acompanharam indivíduos até os 15 anos de idade, e não apareceu nada", diz Victor Bonduki, especialista em medicina fetal do Hospital das Clínicas da USP.

Segundo ele, mesmo que venha a se verificar um dano pequeno, seria preciso olhar para a relação custo-benefício da técnica, porque o ultra-som é uma ferramenta médica fundamental.

A própria revista, "PNAS", que publica o estudo de Rakic, traz na mesma edição artigo dos médicos Verne Caviness e Ellen Grant, do Hospital Geral de Massachusetts, afirmando que o resultado com roedores não é motivo para pânico.

"É altamente improvável a possibilidade de essas descobertas serem aplicáveis a riscos do ultra-som fetal tal como é aplicado hoje", escreve a dupla.

Caviness e Grant reconhecem, porém, que o trabalho de Rakic é um "lembrete sensato" de que o uso de técnicas de imagem deve se limitar ao mínimo necessário, por precaução.


Data: 08/08/2006