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Qual o desenvolvimento que queremos? - Artigo

Quanto à inovação tecnológica, é preciso colocá-la no fulcro de uma política industrial contemporânea, com instrumentos adequados de apoio ao risco, para podermos gerar e manter vantagens competitivas nossas

Luciano Coutinho - Professor titular do Instituto de Economia da Unicamp

 

Faz muito tempo que a sociedade brasileira perdeu a noção do que é ter projeto de desenvolvimento. Nos anos 50, 60 e 70 havia uma direção coerente e organizadora das estratégias privadas e das políticas públicas: a industrialização era o norte; a substituição de importações era o modelo econômico.

No plano social, a urbanização acelerada com crescimento do emprego e com expansão da fronteira agrícola propiciavam renda, mobilidade e sentimento de progresso.

Sem contar com um sistema doméstico de poupança e financiamento, suficiente e adequado, a dependência crescente do endividamento externo (intensificada nos anos 70) cobrou um preço caríssimo quando, no início dos 80, a política monetária dos EUA foi dramaticamente arrochada.

A crise da dívida externa flagelou pesadamente a América Latina: a socialização dos danos provocados pela crise cambial debilitou profundamente as finanças públicas e as empresas estatais, estilhaçou a confiança empresarial e deflagrou a corrida para a hiperinflação.

Descarrilou a estratégia desenvolvimentista que, desde a Segunda Guerra Mundial, havia orientado a nação.

A prioridade, desde os 80, passou a ser a retomada do controle sobre o processo explosivo de desintegração da moeda.

Vieram os planos heterodoxos: impotentes em face da instalada fragilidade cambial e fiscal, mas necessários para evitar a ruptura total do sistema monetário (estivemos muito perto nos últimos meses de 1989).

No início dos anos 90, uma mudança nas condições monetárias mundiais criou condições de liquidez favoráveis a experimentos de ancoragem da inflação via taxa de câmbio (dolarizações).

A Argentina implantou o seu currency board com um dólar igual a um peso; o México, com o Plano de Solidariedade, começou a se acoplar financeiramente aos Estados Unidos; o Brasil, mais tardiamente, enveredou no Plano Real (uma forma envergonhada de ancoragem cambial, sustentada a juros astronômicos).

Se bem lograram controlar as hiperinflações, esses novos regimes monetários incorreram, de outro lado, em sobrevalorizações prolongadas das respectivas taxas de câmbio que provocaram enorme vulnerabilização das contas externas e conseqüente retomada dos processos de endividamento externo.

A dependência intensa e crescente dos mercados de capitais para financiar os grandes déficits em conta corrente colocou de joelhos os Estados nacionais da América Latina.

No Brasil, a autonomia de condução da política macroeconômica foi pelo ralo e a soberania para pensar uma nova estratégia de desenvolvimento diminuída a zero. Não restou alternativa senão dançar a música do "Consenso de Washington" fingindo que essa era uma opção nossa.

Pena que a performance foi incompetente e até injusta para com o "Consenso", que não incluía em seu repertório desequilíbrios fiscais e escaladas tributárias.

O governo Lula dedicou-se à ingrata tarefa de recompor o controle macroeconômico e fiscal sem romper com o paradigma herdado. A nova estratégia de desenvolvimento ficou na promessa.

Mas a sorte ajudou: ventos externos benignos (comércio mundial em firme expansão com preços superfavoráveis) permitiram mitigar substancialmente a vulnerabilidade externa e reabrir o espaço para pensar o desenvolvimento. Mas, qual o projeto que queremos?

Mais além da superação dos impasses da política macroeconômica (juros reais altos demais, câmbio sobreapreciado, finanças públicas e dívida mobiliária vulneráveis), como fazê-la transitar, sintonizadamente, em direção a uma trajetória de desenvolvimento se esta última não tem rumos definidos?

As eleições gerais daqui a dois meses cobram resposta aos partidos e aos representantes dos interesses organizados da sociedade. Será lamentável se prevalecer um vazio de projeto.

Creio que o desenvolvimento só será possível se o crescimento da economia puder ser sustentado por um ciclo vigoroso de investimentos em infra-estrutura e em criação de nova capacidade produtiva.

Sem investimentos crescentes o desenvolvimento será obstado por gargalos inflacionários e pela falta de confiança. Registre-se que o desenvolvimento de novos meios domésticos de poupança e financiamento (inclusive via mercado de capitais) será essencial para capitalizar as empresas nacionais e suportar a subida da taxa de inversão da economia.

Além das infra-estruturas, quatro grandes vetores deveriam puxar a transformação econômica: 1) as exportações das cadeias competitivas (i.e., agronegócios, mineração, siderurgia, metalurgia, automobilística, aeronáutica e, crescentemente, os biocombustíveis); 2) a expansão da oferta doméstica de alimentos, manufaturados de consumo e dos serviços para dar suporte à melhoria da distribuição da renda com crescimento do emprego; 3) o desenvolvimento na matriz produtiva dos setores dinâmicos disseminadores da inovação (informação, telecomunicações, microeletrônica) com impulso às aplicações das nanotecnologias e biotecnologias para criar novas oportunidades competitivas; 4) grandes projetos integradores capazes de promover o desenvolvimento nas regiões atrasadas, especialmente no Semi-Árido nordestino e na região Norte (neste caso organizando o espaço para evitar a continuidade da predação acelerada dos recursos florestais).

Quanto à inovação tecnológica, é preciso colocá-la no fulcro de uma política industrial contemporânea, com instrumentos adequados de apoio ao risco, para podermos gerar e manter vantagens competitivas nossas.

Mas o desenvolvimento não pode se restringir ao plano material. Numa economia que venha a criar empregos e oportunidades, a sociedade brasileira precisa escapar da barbárie e mitigar as suas profundas desigualdades através da educação ampliada e aprofundada, através do desenvolvimento cultural e da inclusão dos excluídos (sem ser exaustivo: reforma agrária, habitação social, saneamento e saúde pública).

Por último, é urgente sanear a corrupção endêmica do sistema político brasileiro, com reforma incisiva das suas bases e regras, sob pena da desmoralização começar a minar a crença na democracia representativa.


Data: 28/07/2006