topo_cabecalho
Conhecer para preservar

Em entrevista à 'Agência Fapesp', Peter Raven, diretor do Jardim Botânico de Missouri, nos EUA, discute modelos de conservação e aponta como a taxonomia pode contribuir para a sustentabilidade


O botânico Peter Raven é um defensor da biodiversidade e da conservação do ambiente reconhecido em todo o mundo. Aos 70 anos mantém uma agenda (cheia até o final de 2007) com média de duas viagens por mês para incentivar pesquisas sobre plantas e animais ameaçados em diferentes países.

Há 35 anos Raven é diretor do Jardim Botânico de Missouri, que transformou em um dos mais importantes centros de pesquisa botânica sobre América Latina, África, Ásia e América do Norte. O centro reúne grande parte do conhecimento existente a respeito da flora brasileira.

Raven é co-editor de uma obra de 50 volumes com a descrição de espécies de plantas na China, megaprojeto desenvolvido em cooperação entre instituições chinesas e norte-americanas. O botânico é também consultor do Vaticano para assuntos ambientais.

Convidado pela organização do simpósio "Revisão da Flora Brasileira: Desafios e Oportunidades", realizado em Florianópolis entre 19 e 21 de julho, o botânico discutiu com pesquisadores brasileiros, ingleses, franceses e alemães a formação de um banco de informações eletrônico sobre a flora brasileira. Após o simpósio, Raven falou com a "Agência Fapesp".

Existe um modelo eficaz para a conservação do ambiente?

- Para um mundo sustentável, devemos ficar atentos simultaneamente aos níveis da população, de consumo e de tecnologia. Os três fatores são importantes para que o ambiente possa ser sustentável e para que a biodiversidade seja conservada. É óbvio que o número de pessoas no mundo tem importância fundamental, mas os níveis de consumo por indivíduo e os tipos de tecnologia usados são ainda mais importantes. Muitos países estão tentando seguir o exemplo dos Estados Unidos, da Europa, do Japão e de outras nações industrializadas, em que a perda de sustentabilidade só pode aumentar. Melhor seria se tentassem desenvolver tecnologias mais sustentáveis, que já estão sendo usadas, como fontes de energia que não geram carbono.

O Brasil é um desses países?

- Quero enfatizar que existe uma enorme oportunidade para o Brasil, neste momento, pensar muito cuidadosamente em melhores maneiras de consumir energia, oferecendo às pessoas o que elas querem e precisam, evitando simplesmente copiar de outros países modelos já insustentáveis.

O Banco Mundial estima que a população dos países em desenvolvimento chegará a 8,8 bilhões de pessoas em 2050. Qual será o impacto importante desse crescimento populacional?

- Não é apenas o aumento da população que produzirá impactos sobre o ambiente. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a população dos Estados Unidos cresceu em 140 milhões de pessoas, que consomem cerca de 30 vezes o padrão médio dos habitantes das nações em desenvolvimento. Se você multiplicar 140 milhões por 30, verá um resultado muito próximo da população de todo o mundo em desenvolvimento. O consumo e os tipos de tecnologias usadas é que produzem impacto. O problema é que estamos além da sustentabilidade. Usamos, continuamente, cerca de 120% do que o mundo produz. Em 1970, usávamos perto de 70%.

O que mais é possível fazer?

- É preciso prestar atenção a outros aspectos, como a estruturação das cidades para que as pessoas tenham uma vida melhor e a organização do trabalho e de um sistema de transporte adequado. Esse planejamento deve incluir uma agricultura sustentável e um equilíbrio entre a quantidade de terra destinada à produção de fontes de energia, como a cana-de-açúcar, e ao plantio de alimentos.

Como a taxonomia pode contribuir para a sustentabilidade?

- Dependemos muito do conhecimento sobre sistemas vivos para produzir sustentabilidade. Identificamos e nomeamos 1,6 milhão de espécies de plantas, animais, fungos e microrganismos, ou seja, um sexto das espécies existentes no mundo, mas a grande maioria ainda é muito pouco conhecida. No Brasil, há entre 30 mil e 32 mil espécies registradas atualmente e muitos milhares a serem descobertos. Muitas estão em até três coleções no mundo, mas isto não significa que exista um conhecimento profundo sobre elas. Na era da biologia molecular, decifrar seus genomas permitirá uma avaliação precisa do que é necessário para construir a sustentabilidade, particularmente sobre as espécies com importância econômica. Precisamos aprender a usá-las, apreciá-las e conservá-las, pois elas são essenciais para o sistema como um todo.

Poderia falar sobre seu trabalho como consultor do Vaticano para assuntos do meio ambiente?

- Desde 1990 sou membro da Academia Pontifícia de Ciências do Vaticano, um grupo de 80 cientistas de diversos países que informa o papa sobre questões ligadas à ciência. Carlos Chagas Filho, o famoso cientista brasileiro, foi o presidente da Academia por mais de 15 anos, até 1988.


Data: 27/07/2006