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Agronegócio: para alimentar a população ou a balança comercial?

Participantes de simpósio na Reunião Anual da SBPC discutem a necessidade de se criar uma agenda política de desenvolvimento rural sustentável para o Brasil

A agricultura familiar constitui-se hoje na categoria social hegemônica no Brasil. Ela representa 88% dos estabelecimentos agropecuários do país e 10% do PIB nacional.

No entanto, o modelo da agricultura brasileiro não contempla este nicho, afirma o agrônomo Lauro Mattei.

No simpósio "Agronegócio e agricultura familiar", nesta quinta-feira, na Reunião Anual, ele criticou o modelo agro-exportador brasileiro, que seria fruto de uma escolha política do meio rural brasileiro.

"A agricultura tem que fazer frente às demandas da balança comercial do Brasil", disse Mattei. "No capitalismo mundial, nos é reservado o papel de exportador de commodities em natura, cujo valor agregado é muito baixo."

Isso resultou, segundo Mattei, em um meio rural extremamente heterogêneo, onde convivem, lado a lado, projetos muitos distintos e todos eles disputam os mesmos recursos públicos.

A primeira política diferenciada para o segmento específico da agricultura familiar, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), foi criada tardiamente em 1990 pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

"O Pronaf é uma tentativa de salvação de outra parcela da sociedade rural que sempre esteve à margem", falou o agrônomo.

No entanto, a desigualdade na distribuição de recursos ainda permanece. Em 2005, por exemplo, o governo investiu R$ 32 bilhões do Tesouro Nacional no agronegócio, enquanto a agricultura familiar, através do Pronaf, foi contemplada com R$ 5,77 bilhões.

Além disso, o programa em si já revela algumas deficiências, como mostrou o engenheiro agrônomo Fábio Búrigo, consultor do MDA.

A reprodução das desigualdades regionais é uma delas. Do montante total de aplicações financeiras feitas pelo programa, 41,1% se destinam à região sul, 25,2% à nordeste, 18% à sudeste, 8,1 à centro-oeste e 7,7 à norte.

Outra é o segmento atingido pelo Pronaf. O Banco do Brasil, o principal agente financeiro do programa, dá preferência para os agricultores mais capitalizados na hora de fechar um contrato de crédito.

"O Pronaf não pode basear-se em esquemas tradicionais de financiamento", concluiu Búrigo.

Para ele, a alternativa de distribuir créditos através de cooperativas de agricultores familiares, em vez dos agentes bancários tradicionais, tem sido um bom exemplo de sinergia entre sociedade civil e poder público.

"As cooperativas permitem a inclusão financeira, quebra de laços financeiros informais negativos e outros serviços aos agricultores."

Sérgio Schneider, sociólogo da UFRGS, insistiu que é preciso diversificar os instrumentos de intervenção. Ele lamentou o fato de as políticas de crédito terem se tornado um fim, em vez de um meio. "Os agricultores querem e esperam por oportunidades e não favores."

Para Schneider, os instrumentos políticos deveriam reduzir a dependência e aumentar a autonomia do agricultor familiar, abrindo espaço para a diversificação produtiva, o que está longe de ocorrer.

O sociólogo apontou a necessidade de o país construir uma agenda política em torno do desenvolvimento rural sustentável, mas alertou que a negociação será difícil. "Os atores sociais não possuem unidade de foco e clareza sobre qual a estratégia."


Data: 21/07/2006