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Reunião Anual da SBPC: A arte de inventar questões, sob a ótica da interdisciplinaridade

Sociólogo Gabriel Cohn, professor titular do Depto. de Ciência Política da USP, diz que o que está em jogo na interdisciplinaridade é a produção de novas questões, e não o acúmulo de conhecimento, que permite apenas a solução de problemas técnicos pontuais

Na conferência “Ciências, Humanidades e Interdisciplinaridade”, proferida nesta quinta-feira, Cohn deu uma aula sobre a relação por vezes conturbada entre as diferentes áreas do pensamento.

Ao introduzir o tema, por ele definido como “gigantesco”, usou exemplo das humanidades, citando verso de um jovem poeta: “As verdadeiras questões ainda estão para ser inventadas”. Para ele, isso se aplica de maneira integral ao tema, já que o fundamental, quando se fala nas ciências e nas humanidades, está na arte de inventar as questões.

“Estou convencido de que, tanto na área de grande produção científica quanto na área da arte, o que está em jogo é a mesma preocupação básica de formular relações não triviais, sem importar seus elementos, e por isso, a importância das perguntas mais do que as respostas, que a rigor constituem problemas técnicos”, disse.

Cohn critica o hiato, que começa a ser superado mas ainda persiste, entre a cultura científica e a cultura humanística. “O analfabetismo de ambos os lados é lastimável. Não há porque existir esse divórcio, ambas as formas exigem rigor e a imaginação”.

Tal separação, a seu ver, deixa de lado o pensamento que vem desde o século XIX, quando as mesmas preocupações estavam presentes entre aqueles que se dedicavam às humanidades e os que trabalhavam com as pesquisas físicas.

Por isso, é preciso cuidado em se tratar a interdisciplinaridade como algo novo ou uma exigência a ser formulada apenas na atualidade, adverte. “Todo trabalho científico de real importância transcende os limites disciplinares e também a capacidade de trabalho de um pensador isolado”.

Como exemplo da plena convergência de pensamentos, o sociólogo citou um clássico da literatura científica, o livro “O que é a vida?”, escrito em 1944 pelo físico austríaco Erwin Schrödinger.

“Quando ele se pergunta sobre o que é a vida, abre caminho para uma revolução da ciência. Aí sim temos algo que transcende as questões disciplinares e suscita novas questões. Sem dúvida, no século XX, um momento glorioso da transdisciplinaridade foi o Schrödinger, como físico, se perguntando pela vida”, avaliou.

Cohn apontou duas possibilidades de pensar a conjugação entre os diferentes conhecimentos. A perspectiva horizontal, de acumulação crescente do estoque de conhecimento, e que está mais próximo de uma visão trivial de trabalho interdisciplinar, e a perspectiva vertical, de aprofundamento, na qual se pensa mais na capacidade de formulação de questões relevantes.

“Se bem pensada nessas duas dimensões, a interdisciplinaridade pode ser mais do que um simples aumento do repertório das coisas conhecidas e suscitar um fluxo que alimente a produção de novas questões, que é o que está em jogo”, entende.

A defesa da interdisciplinaridade não exclui, entretanto, a idéia do trabalho especializado. “As pesquisas particulares têm que ser feitas, mas quanto mais se mergulha de maneira criativa numa determinada área, tanto mais você terá que ser sensível para saber que aquilo deverá ser projetado em outras áreas. Senão, serão contribuições apenas de caráter pontual, e não no conjunto do que se espera do conhecimento científico”, defendeu o sociólogo.


Data: 21/07/2006