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Reunião Anual da SBPC debate papel do conhecimento para integrar Amazônia ao Brasil

Redes de Cooperação em Saúde na Região Amazônica avançam no trabalho interdisciplinar

O reitor da UFPA, Alex Bolonha Fiúza de Melo, pesquisador na área de ciências políticas, propôs como obra estratégica para a Amazônia a criação de Infovias para interconectarem toda a região, e para serem usadas na educação. Na mesa-redonda sobre o tema "Amazônia, Desafio Nacional", que compartilhou com o presidente da Fiocruz, Paulo Marchiori Buss, o reitor enfatizou que "na origem, a Amazônia não constitui um problema técnico nem científico; é um problema político".

"A região precisa ser entendida, não como desafio regional, mas nacional", afirmou Alex de Melo.

O debatedor defendeu a redefinição do pacto político federativo, em nova cultura política que promova uma engenharia mais eficaz de exercício do poder, de modo mais republicano com relação à Amazônia. O reitor criticou o padrão atual do País para com a região como 'colonialismo interno', que contrapôs a um novo relacionamento Estado-sociedade.

No painel desenhado por Alex de Melo, o Pará, mesmo sendo um Estado que gera energia hidrelétrica para o Brasil, nada ganha com isto, pois o imposto só é taxado na circulação. O mesmo ocorre com a extração de minério no estado, uma das maiores riquezas do país, que por efeito da Lei Kandir, disse ele, deixa no Pará apenas o buraco. Os materiais da biodiversidade são extraídos e levados para serem processados fora. Tudo isso sai sem criar cadeias produtivas no estado, constata.

"Continuam usando a Amazônia como um almoxarifado para a extração de recursos, sem benefício para a população, sem geração de royalties ou patentes. A história está cheia desses exemplos", reclama.

Para Alex de Melo, é necessária a superação do coronelismo e do patrimonialismo dos que visam se apropriar da coisa pública. "Quem acusava ontem, hoje é acusado. Tudo está no mesmo saco", disse ele. Segundo o debatedor, os representantes da região nos fóruns nacionais devem ser independentes da questão partidária e ideológica, para que a Amazônia venha a ser o foco de um programa de Estado.

"A Amazônia não pode ser encarada hoje como problema, como está sendo hoje em termos internacionais, mas como uma das soluções do Brasil", afirmou. É uma das regiões mais ricas do mundo, a mais rica em produtos naturais, tem as mais importantes províncias minerais, mais gás do que a Bolívia, indícios de petróleo e terra abundante propícia para a agricultura.

Compõem a riqueza regional a maior reserva hidrográfica, a maior flora tropical do mundo, a maior reserva de biodiversidade, um dos maiores celeiros ictiológicos, potencial de geração energética que tornará a região fonte de 50% da energia do Brasil. Todavia, observa o reitor, esta riqueza não foi agregada ainda pelo país na intensidade necessária porque falta o conhecimento científico à altura dos recursos naturais.

"A Amazônia supõe um projeto de nação como riqueza, não como santuário a ser preservado", disse o expositor. "Não se defende a Amazônia com Exército, mas com conhecimento. Sem conhecimento, não há redução das desigualdades regionais, que se perpetuam. Não há outra saída".

Para Alex de Melo, não importa se o conhecimento na Amazônia vem do Brasil ou associado a centros externos. Se o país não fizer a introdução do conhecimento da região, outros farão no nosso lugar, adverte.

O pesquisador propugna a criação de uma civilização florestal moderna sem destruir a floresta amazônica, que considera mais rentável e lucrativa para o capital nacional, em pé, do que derrubada. Ao citar dado da indústria farmacêutica dos EUA, Alex de Melo informa que os recursos naturais da floresta amazônica abrigam US$ 60 bilhões em negócios potenciais, que para serem gerados supõem ciência, mas dariam para pagar a dívida externa.

O investimento em ciência, educação de qualidade, conhecimento básico e aplicado, é recomendado pelo reitor da UFPA. "Conhecimento é poder", disse ele citando Francis Bacon.

"Boa parte do pagamento da dívida externa depende do controle de ciência, tecnologia e da técnica que leva ao controle dos meios de produção. O conhecimento se tornou o acesso inescapável ao poder econômico. O investimento em educação e pesquisa é a mola mestra do desenvolvimento auto-sustentado de um povo ao longo do século 21", conclui.

Segundo Alex de Melo, ou o Brasil se reconhece na Amazônia ou oligopólios a incorporarão no seu patrimônio de riquezas. "A priorização ou não da região na política nacional assina a carta de alforria, ou será a perenização da escravidão", afirma.

Paulo Marchiori Buss enfocou o tema das Redes de Cooperação em Saúde na Região Amazônica, que visam a melhoria na qualidade de vida, com a produção de conhecimentos adequados. A rede já incorporou 22 instituições em todos estados da Região, e pretende avançar numa articulação da Fiocruz, Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), Organização Panamericana de Saúde (OPAS) e Associação das Universidades Amazônidas (Unamaz) com os países andinos.

A dimensão ampliada da Rede visa obter articulação com agências de financiamento externo como a União Européia, National Institut Health, dos EUA, que tem orçamento de US$ 18 bilhões para pesquisa, Bill Gates e a Fundação Rockfeller, que tem muito interesse no desenvolvimento da Amazônia brasileira, disse Paulo Buss.

No primeiro edital da Rede para pesquisa foram alocados R$ 4,5 milhões, disse Paulo Buss. Todavia, o trabalho não foi ainda realizado em rede. Segundo ele, é difícil para os trabalhadores da região trabalharem nestes moldes; por isso, tocaram a pesquisa de modo individual.

Como prioridades, o edital focou as doenças associadas a vetores (malária, leishmaniose, arbovirose), doenças prevalecentes – tuberculose, hanseníase, hepatovirais e diarréias -, prospecção de bioativos de produtos naturais, pesquisa em sistemas e serviços de saúde, outros agravos e doenças, além do tema desenvolvimento, ambiente e saúde, que enfoca o impacto das grandes obras como hidrelétricas.

Desde o final de 2005, a Rede já tocou 48 projetos, foi criado um mestrado da UFPA e Fiocruz que está formando 30 mestres para residir na Amazônia. Também foi criado um doutorado com 15 amazônidas, apoiado por pessoal da Fiocruz da Bahia, Recife e Rio de Janeiro. Para este ano, está projetada a criação de dois cursos internacionais e a avaliação dos cursos de graduação na área de saúde.

O presidente da SBPC, Ennio Candotti, avalia que o modelo da Rede constituído na área de saúde pode ser replicado em outras na Amazônia como a de transportes, energia, comunicações. Ele manifestou apreensão com relação ao modelo do Ministério do Meio Ambiente orientado para unidades de conservação que iriam servir à pesquisa. Em vez de conservar para conhecer, defendeu a opção de conhecer para conservar, criticando as restrições do Ibama à pesquisa na Amazônia. "O limite é o desenvolvimento da região", contrapôs.

Carlos Nobre, do INPE, informou que o PIB de floresta da Amazônia, que envolve 650 mil quilômetros quadrados, está na faixa dos US$ 2 milhões, enquanto que a economia sucroalcoleira movimenta US$ 12 bilhões em 25 mil quilômetros quadrados. "Na economia, essa atividade não faz sentido", disse ele.

Citando dado de Luis Hildebrando Pereira da Silva, Carlos Nobre contou que um hectare de floresta tem três jararacas. O valor comercial do veneno dos répteis em um ano supera o que produz um hectare de soja na floresta desmatada. Se purificado o veneno da jararaca, vale 20 vezes o que se produziria com a soja.


Data: 20/07/2006