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SBPC vai levar aos presidenciáveis documento sobre princípios para uma agenda de pacificação democrática da sociedade brasileira

Documento aborda problemas estratégicos para se atingir padrões civilizatórios na pacificação da sociedade brasileira

A SBPC vai apresentar um documento a todos os presidenciáveis sobre o problema da violência no Brasil. O Grupo de Trabalho sobre Violência, Criminalidade e Cidadania, que reuniu 24 estudiosos e gestores da área na segunda-feira, das 10 às 17h, elaborou uma série de ações, denominadas “Princípios para uma agenda de pacificação democrática da sociedade brasileira”.

O documento foi apresentado em caráter preliminar nesta terça-feira para discussão na Reunião Anual. Depois de incorporar as contribuições da platéia, será levado pelo presidente da SBPC, Ennio Candotti, a todos candidatos à Presidência da República, informou o coordenador do simpósio, José Vicente Tavares dos Santos (UFRGS).

“O grupo trabalhou para construir uma agenda de problemas considerados estratégicos para se atingir padrões civilizatórios, na perspectiva da pacificação da sociedade brasileira, no marco do Estado Democrático de Direito. Neste processo, muito a SBPC tem contribuído, desde os anos de 1970”, registra o documento.

O GT foi criado pela SBPC para discutir a proposição de temas de consenso e prioridades na área de segurança pública, com participantes com longa experiência em pesquisas interdisciplinares neste campo científico. Segundo José Vicente, foram apresentadas no GT oito das 60 pesquisas desenvolvidas na área de Segurança no concurso apoiado pelo Ministério da Justiça, que recebeu 400 projetos, numa perspectiva de diversidade regional e cultural, de diversos estados.

Ennio Candotti recomendou que o documento reúna exemplos concretos para que a SBPC possa traduzir para a sociedade os pleitos da agenda. O presidente da SBPC indagou aos pesquisadores se não consideram excessivo o número de 70 mil leis e decretos em vigor. “Há leis demais para forças pequenas”, disse ele, citando o caso do Ibama com 10 mil agentes que importunam pesquisadores mas não impedem a destruição de milhões de quilômetros quadrados da floresta.

O documento cita como pressupostos da civilidade a construção de uma consciência de segurança pública cidadã, concebendo a política de segurança pública como uma das políticas públicas de segurança, incluindo as ações de natureza socioeconômica;

Defende que a Segurança Pública seja considerada como prioridade (no imaginário, lugar, discurso, ação, orçamento e execução) e defende ser fundamental os Direitos Humanos e o Estado Democrático de Direito (universalidade e efetividade).

Defende a participação social em diferentes níveis de Governo (conselhos, movimentos sociais, ONGs, associações, sindicatos). Pleiteia formas de gestão que integrem as instituições de segurança pública e promovam a participação da sociedade no planejamento, controle e avaliação de ações.

A versão preliminar da agenda reivindica a priorização da redução dos crimes contra a vida e ainda a valorização da produção científica interdisciplinar voltada para a análise e subsídios da segurança pública no Brasil,. Quer também que seja dada ênfase nas políticas públicas de prevenção e repressão de violências contra grupos sociais vulneráveis associados a gênero, a geração, raça/etnia ou orientação sexual, entre outros.

Uma contribuição da platéia levanta a necessidade de incluir referência à mídia, por considerar a influência da indústria cultural na criação de uma cultura da violência, na banalização do crime. A mídia faz a dramatização da criminalidade e atinge as camadas populares. Setores da imprensa, numa visão parcial, só visam a audiência, com sensacionalismo barato.

Para Ennio Candotti, como ocorreu na discussão da doença mental, que avançou na guerra contra a hospitalização, pode ser feito na reformulação do conceito de crime e castigo. “O que significa castigar com um ano de prisão quem roubou um pacote de fraldas porque não tinha dinheiro para pagar?”, questiona. Ele recomenda elencar os absurdos cometidos pelos dois lados. “Repressão é a única palavra que as pessoas conhecem”, critica.

Os pesquisadores informam que 70% das ocorrências são conflitos não criminais e argumentam que o documento está orientado por uma cultura da paz, da não violência, em atividades policiais na contenção e mediação de conflitos. Os pesquisadores concordam que a prisão não cumpre a função de ressocializar os presos, é uma escola de crime, e faz parte de uma realidade para a qual a sociedade dá as costas, entregando-a ao Estado.

Repressão não resolve. Há 328 mil presos, 20% por furto, o chamado “crime famélico”. É preciso trabalhar com os grupos de vulnerabilidade social, recomenda outro pesquisador. Em São Paulo, em 16 anos, triplicou o número de presos e de presídios, 1,3 por cada vaga. O pobre da periferia desempregado é quem está preso, condição estimada em 99% do universo dos encarcerados.

O documento defende a Reorganização e Gestão das Instituições de Justiça e Segurança por meios de Sistemas Integrados de Segurança Pública, aumento da participação das mulheres nas polícias, inclusive no setor operacional. Reivindica a dignificação dos profissionais de segurança pública como agentes de garantia de direitos e promoção da cidadania e a revisão da estrutura hierárquica, dos Códigos de conduta e regulamentos disciplinares no intuito de valorizar a dignidade do trabalho policial.

Ingrid Sarti, socióloga da UFRJ e membro da diretoria da SBPC, recomenda levar as discussões da agenda para o Parlamento, em audiências públicas, na TV Câmara e TV Senado, para que a população tenha uma reflexão sobre o que acontece. “Toda solução democrática passa pelo Parlamento”, afirma.

Os pesquisadores apontam a necessidade de melhoria das condições de vida e trabalho dos profissionais de segurança pública (salários, moradia, seguridade, saúde física e mental). Uma pesquisa com policiais registrou alto índice de sofrimento, estresse, neurose, uso de remédios controlados, de álcool e drogas.

A agenda pede ainda repressão qualificada ao crime organizado, com ênfase na inteligência policial, e a Reforma da educação nas escolas dos profissionais de segurança pública (programas de educação continuada em todos os níveis de formação, parcerias com Universidades para a montagem e execução de cursos). Os pesquisadores consideram este tipo de educação altamente complexa.

Pedem ainda fortalecimento, autonomia, transparência e valorização processual das Perícias Técnicas, dos Institutos Médicos Legais (IMLs) e dos Institutos de Criminalística, a integração das polícias (AIISPs, Distritos, currículos e comunicação integrados) e .

O documento toca ainda nos seguintes itens:

Valorização e autonomia dos mecanismos de controle interno e externo das agências de segurança (Corregedorias, Ouvidorias),

Reformulação do conceito de missão policial, abrangendo a universalização das práticas de administração de conflitos, prevenção, investigação e repressão;

Segurança Comunitária (Polícia, Guardas Municipais, Bombeiros) pró-ativa e orientada a problemas, em contraposição aos modelos tradicionais meramente reativos e burocratizados;

Valorizar ações que previnam e reprimam a violência no trânsito;

Redução da letalidade das ações policiais, bem como da vitimização policial, mediante, entre outras estratégias, a capacitação no uso legal e progressivo da força e da arma de fogo;

Incentivo ao uso de sistemas de informações de Justiça e Segurança Pública (cadastrais e estatísticos), inclusive do georeferenciamento, para o diagnóstico, avaliação e monitoramento de resultados numa perspectiva operacional e gerencial;

Institucionalização de publicações anuais de estatísticas de Justiça e Segurança pública (proposição de uma Lei de Estatísticas em Justiça e Segurança que garanta a transparência dos procedimentos metodológicos e das categorias adotadas); Na França e EUA é publicado a cada ano o Mapa da Criminalidade.

Realização periódica de pesquisas nacionais de vitimização;

No campo da Integração de Ações no Sistema de Justiça Criminal, aponta as seguintes premências:

Promoção de ações articuladas entre o Poder Executivo, o Judiciário e o Ministério Público, com destaque para a reformulação da figura do inquérito policial a fim de otimizar processualmente os resultados da investigação;

Usar mecanismos alternativos de controle penal, por exemplo, novas modalidades de penas, como a prestação de serviços à comunidade, mudanças no instituto da suspensão condicional da pena, funcionamento dos Juizados Especiais Criminais - Jecrims;

Promover a redução do descompasso entre as investigações iniciadas e os processos concluídos;

Medidas de acesso à Justiça e mediação e negociação dos conflitos sociais (valorização das defensorias públicas, assistência judiciária aos presos);

Redução das desigualdades jurídicas (extinção de privilégios processuais como prisão especial e foro privilegiado);

Ampliação e articulação dos Serviços de Proteção às testemunhas e aos defensores dos Direitos Humanos e amparo às vítimas de violências;

Garantir a existência de ambientes seguros no sistema penitenciário (controles de acesso e movimentação, bem como da existência de legislação e tecnologias restritivas de comunicação em relação aos detentos);

Fomentar a celeridade da aplicação de medidas da Lei de Execução Penal;

Realização periódica de Estudos e Censos Penitenciários como insumos de planejamento e gestão de ações;

Articulação dos serviços de inteligência do sistema penitenciário com as demais agências de segurança pública;

Incentivar a Prestação de Contas Articulada das Instituições de Justiça Criminal;

Respeito e aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.


Data: 19/07/2006