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Sociedade Brasileira de Genética vai propor à SBPC o endosso de manifesto que defende pesquisa com transgênicos

Na Reunião Anual, pioneiros gravam depoimentos sobre Memórias da Genética no Brasil

A posição oficial da Sociedade Brasileira de Genética - que defende o uso dos transgênicos no Brasil - será apresentada à SBPC com o objetivo de obter respaldo político da Sociedade. Esta foi uma decisão anunciada após o encontro Memórias da Genética no Brasil, na Reunião Anual, que nesta segunda-feira reuniu pioneiros desta ciência no Brasil, num painel coordenado por Luiz Edmundo de Magalhães (USP).

Luiz Edmundo informou que a idéia do Encontro Aberto partiu do presidente da SBPC, Ennio Candotti. Foram gravados os depoimentos de Crodowaldo Pavan (USP), Francisco Mauro Salzano (UFRGS), Antonio Rodrigues Cordeiro (UFRJ), Warwick Kerr (UFU), Ernesto Paterniani (USP) e Eliane Elisa de Souza e Azevedo (UEFS).

Ernesto Paterniani disse que vai enviar a Candotti a posição da SBG sobre os transgênicos, que está sintetizada em pouco mais de uma página. "Se a SBPC endossar, tem muito mais prestígio do que a SBG", afirmou.

Para Paterniani, há no Brasil "uma campanha desigual" que põe de um lado, "com muito dinheiro, Greenpeace e outras ONGs brasileiras com pessoal empregado em tempo integral. Não existe a recíproca. Os pesquisadores têm as suas atribuições; não têm tempo e dinheiro para isso".

Segundo o pesquisador, conseguiram influir no Ministério do Meio Ambiente e fazer que o Brasil tenha uma legislação extremamente restritiva. "Toda e qualquer pesquisa sobre transgênico tem que ser aprovada pela CTNBio, a Comissão Técnica Nacional de Biosegurança, que tem um núcleo de pessoas ligadas ao Ministério do Meio Ambiente que votam contra. Pode apresentar tudo quando é dado, que votam contra", afirmou.

Conforme Paterniani, a CTNBio não tem autorizado todas pesquisas sobre transgênicos. Segundo ele, "já projeto para uso comercial é inviável. Matematicamente impossível. Por pressão do Ministério do Meio Ambiente, o decreto estabeleceu que, para aprovação comercial precisa ter aprovação de dois terços da CTNBio. Como mais de um terço é radical contra, isso significa que nunca vai haver aprovação comercial", conclui.

Embora muita gente ache que estas pesquisas sejam para beneficiar empresa multinacional, o prejuízo é da Nação, opina Paterniani. "A Embrapa tem mamão transgênico, batatinha, algodão, etc, e tem a mesma dificuldade. Quem é que vai fazer uma pesquisa cara, custosa, demorada, para não ser utilizada?", constata.

O geneticista da USP argumenta que é preciso considerar qual é o dano contrário de impedir o uso desta tecnologia. "Vai ficar evidente que é benéfico ao meio ambiente, pois reduz o uso de agroquímico. É benéfico ao agricultor, porque reduz custo e para o consumidor, porque gasta menos para produzir, além de evitar a contaminação por microorganismo quando se usa o BT" disse ele.

"Quem é que vai assumir o dano de não usar transgênicos?", questiona Paterniani. De acordo com o pesquisador, não será possível retirar do meio ambiente os agroquímicos colocados, nem ressarcir o custo que o agricultor teve que não era necessário ter.

"Quem é que vai assumir o atraso técnico-científico do Brasil? – indaga o geneticista da USP. "A Índia, a China e a Argentina estão na frente do Brasil. A China tem dezenas de plantas transgênicas. Está plantando mais algodão BT, tem hortaliças, trigo, etc. A Índia também tem soja, vários tipos de milho BT e canola. O Brasil está parado", avalia.

"Não existem produtos que são avaliados com mais rigor do que os transgênicos. Muitos cientistas dizem que, se todos os produtos que tem no supermercado fossem avaliados com tanto rigor, muitos seriam condenados", assinala Paterniani.

Crodowaldo Pavan, no seu depoimento, relatou o episódio da vinda ao Brasil do geneticista Theodosius Dobzhansky, apoiado pelo então diretor da seção da Fundação Rockfeller de Nova Iorque, Harry M. Miller Jr, que "contribuiu de forma muito positiva com o desenvolvimento da genética no Brasil e parte da América Latina". A vinda do professor visitante contou ainda com o apoio do médico André Dreyfus, professor catedrático da cadeira de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, informou.

Pavan contou que as aulas de Dobzhansky na década de 40 durante um mês atraíam professores de diversas faculdades, agrônomos e médicos, que lotavam o auditório. Dreyfus, quando titular de Biologia na USP, começou a pensar em pesquisa. "Quase como um aluno, ele ficava ouvindo as aulas de Dobzhansky com os alunos, humildemente, e fazia perguntas", lembra.

Dobzhansky quis fazer pesquisa na Amazônia e teve o apoio de Felisberto Camargo, no Instituto Agronômico do Norte. Pavan acompanhou: "eu era tarado por viagem", comenta, e conta que passou um ano coletando material.

No próximo passo, Pavan foi pesquisar nos EUA. Ficou 1,5 ano na Columbia University no pós-doutorado e abriu as portas para um programa mais forte de financiamento da Fundação Rockfeller à genética brasileira.

Convidado por Harry M. Miller Jr a apresentar o projeto de pesquisa que quisesse no Brasil, que seria custeado pela Rockfeller Foundation, o geneticistas brasileiro chegou a propor orçamento de US$ 5 mil para comprar microscópio, lupa e outras coisas. Miller contrapôs que ele poderia propor projeto de US$ 50 mil ou de US$ 500 mil.

Depois de consultar Dobzhansky e Dreyfus, Pavan foi aconselhado a manter o valor do pedido inicial do projeto de pesquisa. "Se der certo, volto para pedir US$ 50 mil ou US$ 500 mil", respondeu a Miller.

"Daí, fiquei com regalia tremenda", conta Pavan. O gesto deu o ponta-pé inicial para um amplo programa de formação de geneticistas brasileiros com bolsas da Fundação Rockfeller, a começar por Nilton Freire Maia e Francisco Mauro Salzano, convidados por Pavan, que recusara convite para ficar nos EUA para trabalhar no desenvolvimento da genética humana.

A Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz realizou no Departamento de Genética, em 1944, uma reunião de três dias que foi considerado o primeiro congresso brasileiro de genética com 18 geneticistas brasileiros, conta Warwick Kerr.

Dobzhansky comunicou neste evento o experimento com Diplococus Pneumoniae, de Oswald Avery e outros na Rockfeller University: "Meus amigos, de agora em diante sabemos que a molécula que leva a mensagem genética não é uma proteína: é o DNA", disse ele, conforme Warwick Kerr.

 Kerr lembrou que a ESALQ se antecipou à criação da pós-graduação no Brasil ocorrida em 1967 na USP, e desde 1948 já conferia o título de doutor. "Encontro geneticistas da ESALQ ocupando posições de destaque em todos os estados. O grupo de genética era sempre o grupo que diariamente entrava nos laboratórios em primeiro lugar e saía por último; trabalhava aos sábados e feriados; sempre fomos exemplos de trabalho e criatividade", afirmou.

"Mudamos a face da agricultura no estado de São Paulo de maneira gradual mas firme, que não se apercebe se não se aprofundar as origens", disse Kerr, com relação à influência dos geneticistas e do Instituto de Agronomia de Campinas.

Com 83 anos, dos quais 63 vividos na Universidade, Warwick Kerr recorda o convite que recebeu em 1946 do professor F. G. Brieger, para ser professor-assistente no Departamento de Genética da ESALQ, com ordenado de salário mínimo.

"Eu ocupava uma vaga de operário. Disse a Brieger que queria continuar a trabalhar com abelhas sem ferrão".

'Você pode trabalhar com o que quiser: apenas que o trabalho seja com ciência de boa qualidade', disse Brieger. "No primeiro mês, todos os colegas estavam tristes com seu salário. Eu estava contentíssimo", acrescenta Warwick Kerr.


Data: 18/07/2006